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“PERCURSO DE VIDA”
mini parviografia de aventureiro irresponsável
que viveu muito e nunca teve nada...
Uma biografia na primeira pessoa só pode ser uma de duas coisas: um acto de presunção ou uma inutilidade prática.
No primeiro caso, porque alguém se tenha distraído o suficiente da recordação deixada por homens como Mahatma Gandhi relativamente a humildade e à insignificância individual do nosso contributo para a riqueza do xadrez humano, no segundo por inabilidade de análise às razões que podem originar tão peregrina ideia. Parece-me consensual que uma biografia só se justifica numa de duas circunstâncias: ou o biografado tem um percurso de vida que acrescenta uma oferta de qualidade a quem dela se inteira, ou alguém acha que é esse o caso, situação em que, então, é sempre um terceiro a compor o mapa biográfico, raramente o próprio.
Ressalva-se destas a circunstância, assaz invulgar, em que alguém pede a outrem que escreva sobre si próprio... proposta arriscada, com elevado grau de probabilidade de um resultado inútil para quem propõe, com um índice de constrangedora dificuldade para quem tem que o fazer...
Foi o caso… desafiaram-me…
Perante tal, debato-me entre a tentação de elaborar uma espécie de mapa semiótico da evolução atípica de uma vida como todas as outras ou a arriscada procura de pequenos nadas que possam constituir um átimo de diferença do que é consensual entender-se como comum...
Opto por esta segunda abordagem, se bem que consciente do perigo de pessoalizar em demasia a narrativa, mas por perceber que qualquer relato aquém dessa ego-focagem reproduziria tão-somente o que todos nós, pela vida fora, projectamos em sociedade e perante os outros, ou seja: não a imagem do que somos de facto, mas o desenho estilizado do que gostaríamos de ser ou achamos que mereceria a anuência – quiçá admiração – alheia.
Não posso fazê-lo no primeiro parágrafo, claro, porque nasci pequeno, tal como toda a gente. Aí fui o mais comum dos bebés; não que me lembre, mas pelas fotos que me guardaram. Elas mostram-me, à distância imparcial de mais de meio século, que era aquilo a que as velhas chamam “um bebé lindo!” – o que comprova a teoria que mais tarde desenvolvi de que todos os bebés lindos dão adultos feios e vice-versa. Acho-me com moral para afirmá-lo, porque tive uma filha que nasceu feiinha que até doía e hoje é um encanto de beleza!
Mas adiante, contrariamente ao que dizem a vida não começa no berço, começa com um acto de amor e por ele o João e a Zaida merecerão a minha ternura eterna, pela dádiva da vida e por eu saber que não nasci por acaso ou por distracção... foi mesmo de propósito.
Só muito mais tarde me ambientei de facto às primeiras paisagens que o colo materno me deixou ver: a estátua do Viriato, em Viseu, na Ribeira onde aprendi a gostar de seios, uma inclinação que viria a manter-se pela vida toda, como prova de que o homem é um animal de hábitos... ou pelo menos alguns homens, digo eu...
Enfim, não é verdade que alguns dos defeitos de rebeldia que me apontam como qualidades tenham seja o que for a ver com a proximidade do desassossegado guerreiro que me viu nascer, porque ele estava morto há dois mil e cem anos e eu estava a começar uma vida que já nesses dias era uma incógnita tão grande como o é nos que vão correndo.
Para o provar, ao mesmo tempo que a Zaida sofria o quanto dói dar uma nova alma ao mundo, em Nagazaki morriam duzentas mil de um único sopro, às mãos daqueles que viriam a construir a mais inteligente ditadura da História e já então se preparavam para isso, nessas eras ainda pela força bruta, anos antes da institucionalização da inteligência psicossocial com que viriam a controlar a sociedade de informação.
Devo-me ter apercebido muito cedo disso, porque nunca consegui ser uma criança nesse mundo. Se alguma coisa de invulgar caracterizou a minha infância foi o facto de nunca a ter tido.
Desde sempre achei que um avião não tinha piada nenhuma se não voasse, de preferência comigo lá dentro, portanto nunca nenhum brinquedo me seduziu. Ainda dei umas voltas pelas peças do “Mecano”, avô dos Legos de agora, porque ao menos com essas fazia pequenas coisas para que achava alguma utilidade, mas comecei a virar-me mais para a “ciência” quando tive que aprender a fabricar gazuas para abrir as portas que a minha avó me fechava! Isso sim, começou a trazer piada à vida e uma vontade enorme de perceber como tudo funcionava.
O meu pai ajudou imenso: lembro-me de o ver no dia em que se avariou uma daquelas máquinas de moedas que dão o peso numa senha - a primeira que apareceu na cidade - e o chamaram para ver se a conseguia compor, porque a fama era de que “o Laranjeira tinha um jeito danado para coisas técnicas”. Lá estava ele, no Rossio, bem no centro de Viseu, acocorado junto à máquina de porta aberta, a desmanchá-la sistematicamente, comigo de pé ao lado, pequenito, a ver, enquanto me explicava: “Filho, nunca vi uma máquina destas, não faço a menor ideia como funciona, mas enquanto a desmonto consigo ir percebendo para que serve cada peça; depois, volto a montá-la com todo o cuidado e quando acabar vais ver que funciona!” Tinha razão, foi isso mesmo que aconteceu e foi uma das primeiras grandes lições que alguém me deu.
Estas coisas servem para nos ensinar a pensar e aguçam os primeiros passos no exercício da inteligência prática.
Teve também o condão de me revelar que pequenos momentos na vida encerram, por vezes, lições de uma grandeza que transcende currículos e que a cultura não é só feita de aprendizagem académica, mas do acumular da experiência e de ensinamentos de quem já viveu muito.
Atento que fiquei a essa realidade, pude muitas vezes ao longo dos anos futuros enriquecer com a sabedoria de preciosidades humanas com quem me cruzei, algumas completamente analfabetas, como a velha negra que numa faixa costeira deserta em África, longe de todas as civilizações e onde fui surpreendido pela experiência atroz de trinta horas sem água, me ensinou que bastava cavar um buraco na areia, um metro acima da maré, até que o fundo ficasse ensopado, esperar que a areia assentasse... e beber – porque era água doce!
Tão simples, mas nenhuma escola do mundo o ensina!
Foi também uma velha que me ensinou outra coisa que não vem nos livros, que toda a gente tem obrigação de saber, mas ninguém sabe. Era uma polaca que durante a segunda guerra saiu de uma aldeia junto à fronteira checa, com vinte e oito crianças à sua guarda, com elas atravessou a pé a europa nazi até ao Canal da Mancha e entrou em Inglaterra como refugiada sem ter perdido uma única das crianças. Julgo que isto fará dela, inquestionavelmente, uma mulher de grande experiência, mas o que me ensinou e nunca mais lhe esqueci, veio de outra parte qualquer da vida que nem sequer haveria sido tocada pela guerra: a lição foi a de que “ninguém muda ninguém, nunca, nem mesmo por amor – quando isso acontece, é sempre uma questão de tempo!” Pois...
Mas voltando à infância: como nunca consegui aprender a imaginar a não ser o que poderia ser real ou realizável, nunca brinquei, nem sozinho nem com outras crianças.
Também nunca tive nenhum brinquedo, a não ser um gato de trapos que me ofereceram quando eu tinha um ano e a quem, vá-se lá saber porquê, chamei
“Frisinho”.
Ainda hoje tem esse nome e é o gato mais velho do mundo, com mais de sessenta anos... bom, agora exagerei, foi uma brincadeira, a gata Bastet tem milénios e é magnífica, para além de uma carreira notável como protectora das egípcias grávidas, enquanto que o Frisinho só me protege a mim e é um ano mais novo que a era atómica...
... nada de piramidal.
Portanto, entre as inventividades do Mecano, a necessidade de gazuas e o espicaçar técnico do meu pai ...
... tive que encontrar uma forma de preencher o vazio de quem não brinca.
Tentei tudo. Uma das primeiras coisas foi a “agricultura”. Comecei por colocar na terra sementes poupadas às sobremesas e esperar que as árvores crescessem para dar frutos. Claro que fui gozado pela família toda, mas anos mais tarde, a milhares de quilómetros de distância, recebi uma carta com uma foto do meu padrinho a comer um pêssego suculento, ao lado de uma árvore carregada... que eu semeara de caroço! Valeu a pena!
Depois interessei-me pelas estrelas e comecei a estudar Astronomia... devia ter uns dez anos. Ainda tenho o livro de Camilo Flammarion com que me estreei, uma edição de 1910. Fred Hoyle veio mais tarde, já em plena época das colecções de rochas e minerais, dos compêndios de botânica e da zoologia no liceu, tudo o que então se chamava “Ciências Naturais”.
A curiosidade tinha-se apoderado de mim, lia tudo o que apanhava, mas havia contraído um vício aos onze anos, que ainda hoje não consegui perder. Como a imaginação faz parte da natureza humana e eu não sabia fingir, encontrei a fuga possível nos livros de ficção científica: nada daquilo era real, mas tinha o fundamento científico de “poder vir a ser”.
A Livros do Brasil tinha então lançado a Colecção Argonauta e nesses tempos podiam assinar-se livros; portanto, todos os meses recebia pelo correio o último título.
Era a minha “mesada”...
Isso viria a trazer-me um problema nos estudos, entre o sétimo e o nono ano de escolaridade. Depois de ter lido As Pupilas do Senhor Reitor não fiquei
convencido e mais três ou quatro títulos da literatura portuguesa então tida como “apropriada” não me mudaram a opinião (hoje sei que foram más escolhas, mas então eram as únicas que experimentara). Habituado aos grandes escritores, a que fui juntando Irving Wallace, James Jones, Hemingway e, com inesquecível deleite, Henry Miller, não conseguia achar piada a nenhuma viagem na minha terra...
Mas tive sorte... do mesmo modo que fiz um ano com 14 - 9 - 8 a Matemática, que se percebe logo que significava ter mudado de professor a meio do ano (no seguinte recuperei), aconteceu-me o inverso a Português. Nunca esquecerei o Professor Simões Gomes, um inconformista revolucionário e agnóstico, mal tolerado pelos seus pares, que começou por reagir mal quando lhe disse, com prosápia de puto, “que não gostava de literatura portuguesa”, mas me interrogou o suficiente para saber que eu tinha lido todos os grandes mestres de ficção, desde a prosa poética de Bradbury à ciência de Clarke, desde Van Vogt e Isaac Asimov à magnífica e extensa obra de Robert Heinlein – recordo-me da única pergunta que me colocou: “Quem é que faz as traduções desses livros para português?” – não esquecerei também o sorriso de tranquilidade com que comentou depois: “Ah, o Mário Henrique Leiria escreve muito bem, pode continuar!”
Pôs-me uma condição: tinha que ler Almeida Garrett e Camões, para cumprir o programa oficial de ensino para exame (é, nesse tempo havia), e ficava obrigado a redigir todas as semanas e a ler para a turma na 2ª feira um pequeno conto (meu, original) de ficção científica – o que fiz durante meses.
Camilo não me entusiasmou, mas Camões tinha-me conquistado, já nessa altura achava que Os Lusíadas eram a obra-prima da literatura universal, como ainda hoje penso, muito acima de Shakespeare e dos clássicos gregos, de modo que foi fácil.
Outra coisa que aprendi com o Simões Gomes: os bons alunos dependem, antes de mais, de bons professores.
Por esses tempos aconteceu-me uma das experiências mais bizarras da minha vida, uma daquelas recordações que são tão patéticas que ficam até ao túmulo. É uma história que merece ser contada.
Como tinha uma curiosidade insaciável e a ficção científica me aguçava a necessidade de saber tudo sobre tudo, mal dei os primeiros passos na Matemática (álgebra, pouco mais que aritmética), comecei a ler Leopold Infeld (ainda conservo os livros) e com doze anos passeava-me orgulhosamente pelas equações da relatividade de Einstein.
Aliás, diverti-me um dia (tinha já 21 anos) a equacionar perante um professor catedrático de Física a demonstração de que um objecto à velocidade da luz tem uma massa infinita e dimensões iguais a zero (tal como o correspondente factor tempo), ou seja, que, segundo a matemática do brilhante cérebro judeu nada pode alcançar ou ultrapassar a velocidade da luz (o que, por acaso não é verdade, segundo a descoberta feita entretanto de que alguns iões o parecem fazer), para depois (lá está) lhe apresentar um cálculo da energia libertada por “esse” (o do exemplo) objecto, segundo a famosa fórmula e=mc², o que produzia o curioso resultado comparado de 0=1=∞, ou seja, uma impossibilidade matemática a todos os títulos...
(0=∞ ainda daria para filosofar, agora simultaneamente igual a 1, é de tirar o cavalo da chuva)...
... tudo isto para lhe pedir que me explicasse o “porquê”... até hoje!...
Portanto, já com este “mau feitio” que me dava um gozo tremendo quando conseguia “pôr o dedo em feridas” e com uma montanha de papel estudado em muitas áreas que me agradavam, apresentei-me a exame para a área de Ciências (tinha “dispensado” a letras, embora com um parco “10” a História, que só meio século depois me viria a entusiasmar ao ponto de escrever um livro), no antigo 5º ano, a que agora, embora com muito menos matéria ensinada, chamam o 9º...
A primeira prova foi a de Matemática e tenho a certeza que foi o pior exame que jamais existiu num estabelecimento de ensino. O professor chamou-me ao quadro, perguntou-me se eu sabia o que era um rectângulo e mandou-me desenhar um. Feito isso, disse-me: “Ora bem, fale-me então do rectângulo”.
Bom, há coisas que não têm explicação. Nem sequer me considero tímido ou atreito a ataques de nervosismo, mas a verdade é que “bloqueei”! Não fui capaz de dizer mais nada! Podia ter comentado que tem lados paralelos, quatro ângulos rectos, sei lá... não disse uma palavra mais! Entre risos e alguma estranheza fui mandado sentar e tudo acabou aí.
Pus-me a fazer contas: para uma classificação entre 0 e 20, quanto poderia valer ter dito que sabia o que era um rectângulo e tê-lo provado desenhando um?... Achei que para aí 0,5, já com boa vontade. Como com um 4 na oral se chumbava a tudo, achei que o exame estava feito.
No entanto, tinha a seguir Ciências Naturais, e disso eu sabia TUDO. Portanto compareci, quanto mais não fosse porque não tinha mais nada que fazer.
Entretanto, a “fama” do meu extraordinário exame a Matemática tinha rastilhado pelos corredores e encontrei-me perante uma sala cheia e uns dez alunos empilhados à porta quando chegou a minha vez de responder à próxima “oral”. Tinha uma plateia ávida de sangue, como é próprio dos portugueses.
O Professor que dirigia o exame era um açoriano tido por comunista a quem chamávamos o “Figurinhas”, porque fazia desenhos para tudo. Era brincalhão e malandro todos os dias, mas um excelente professor, que já me calhara um ano antes.
Também devia ter ouvido falar da minha aventura do rectângulo, porque começou o exame assim: “Então, Senhor Laranjeira, diga-me lá o que acontece a uma laranja no corpo do Senhor Laranjeira quando o Senhor Laranjeira come uma laranja.” – assim mesmo, por estas palavras.
Tranquilamente (como se percebe, nessa altura eu “estava na boa”), expliquei tudo, ao mais ínfimo detalhe, desde o uso dos incisivos para o corte do fruto, passando pela insalivação e tipificação detalhada de todo o processo químico envolvido, digestão, absorção dos nutrientes, onde e como, por aí adiante até à defecação final, não esquecendo a utilidade possível do produto resultante para uso como adubo... “the works”...
Pediu-me depois que escolhesse, do tabuleiro de amostras de minerais e rochas, um exemplar sobre que quisesse falar. Sem sorrir, escolhi uma amostra de pechblenda, que fazia parte do programa de geologia dois anos mais adiante e contei toda a história da descoberta de Madame Curie, das aplicações em equipamentos de rádio-isótopos, enfim, a saga do urânio.
Estava divertidíssimo, armado em puto a falar de coisas que ninguém fazia a mais pequena ideia do que fossem naquele nível de ensino. O professor, esse, “apanhou a onda” e resolveu divertir-se também – cobriu o programa todo: botânica, zoologia, mineralogia, geologia e, claro, cosmografia (aí brilhei, até sabia a quantos anos luz estava Andrómeda, falei de Sírius, de anãs brancas, e não me esqueci de enumerar todos os satélites conhecidos de Júpiter e Saturno, levantando aquela velha questão de Deimos, o satélite de Marte que é o mais pequeno do Sistema Solar e é tão leve (densidade 1,8) que chegou a sugerir a teoria de que deveria ser oco, ou seja, artificial, uma fantasia que foi querida durante uns anos.
Para uma prova oral de ensino secundário, foi um festival.
Num exame que era suposto durar um máximo de 20 minutos, o “Figurinhas” entreteve-se comigo 52, exactamente, e tudo aquilo teve um “Grande Finale”: Foi na parte de zoologia.
Perguntou-me: “Qual é o animal mais comum na Austrália?” Respondi que era o canguru e quando me mandou classificá-lo disse-lhe que era uma ave corredora...
Grande risada, portanto apressei-me a explicar que quando falei no canguru, que é um mamífero marsupial, fiquei a pensar na avestruz, também comum na Austrália, que é, essa sim, uma ave corredora.
Esclarecido o engano, terminou o exame e fui embora, triste porque sabia que tinha chumbado por causa da matemática, mas contente porque achei que mesmo que ele me penalizasse pelo deslize do canguru, tinha, pelo menos, dezanove e meio de nota final a ciências.
Faltavam-me os exames de Físico-Química e Geografia. Como não valia a pena e eram no dia seguinte, não fui... até ter tido uma surpresa que nunca achei que poderia acontecer: ainda hoje pasmo de admiração... e gratidão: foram chamar-me para os dois exames em falta e comunicar-me que, em reunião de professores com o reitor e perante o conhecimento da minha prova a Ciências Naturais (a propósito, o “Figurinhas” deu-me o 20), tinha-me sido “oferecido” um 10 a Matemática, para poder prosseguir. Não sabia que isto podia acontecer, mas aconteceu... alguém deve ter percebido que por vezes o ser humano “bloqueia” por razões misteriosas e que quem sabe o que eu demonstrara em vários campos das ciências da natureza não deve com certeza achar que um rectângulo é uma espécie de bola de sabão com protuberâncias a três dimensões... agradeço-lhes por isso!
Foi um episódio escolar de memória mais valiosa que as raras medalhas de 100 metros no atletismo, quando as miúdas estavam a assistir à prova (sim, que nos outros dias ganhava sempre o Ferreira, lembro-me bem)...
Mas chega de percurso académico.
Às tantas, fui para África, onde a minha mãe vivia e o meu pai morrera, não antes de me ter ensinado algumas das mais importantes lições que fazem de um homem mais do que saber usar calças, como, por exemplo, Honestidade (um defeito, eu sei, um defeito de pobres que o são por isso) e Honra, que é uma palavra que não me lembro bem se ainda está nos dicionários ou se já a tiraram de lá de todo...
Fui trabalhar para a Rádio Clube de Moçambique, que foi a melhor escola de rádio de língua portuguesa que jamais existiu.
De sonoplastia a cinema, publicidade, teatro e jornalismo, foi um vórtice, com imprensa escrita entretanto e serviço militar obrigatório à mistura.
Ao mesmo tempo, conheci o amor: foi a descoberta da minha vida!
...mas só durou ano e meio... o tempo de ter um filho e de ver morrer quem se descobrira como razão para estar vivo, vítima de uma doença que hoje, que ele tem mais de quarenta anos, já não lhe teria levado a mãe... nem a mim o amor!...
Aos 22 anos era viúvo.
Foram anos difíceis, em que a aventura substituiu uma paz que não mais consegui encontrar.
O jornalismo levou-me a conhecer povos e culturas que me enriqueceram, mas não me roubou o mau feitio… e uma incursão nas zonas onde então se combatia uma guerra entre o exército português e a Frelimo acabou por pôr fim à minha adquirida essência de africano.
Eu explico: em pleno regime “da outra senhora”, acompanhado por uma colega com um nome tão “querido” nesses tempos como Barbara Skolimowska, um jornalista em zonas de guerra estava condenado a ter problemas... e tive.
Andei por lá, fui para o mato, com comandos, milícias paramilitares e com a própria Frelimo, pois claro, nunca ninguém me tratou mal, mas também nunca vesti um camuflado nem usei uma arma.
Tentei escrever, mas, para quem não se recorda dos canhenhos da história, havia uma coisa chamada “censura”... portanto não ganhava para comer, uma vez que nessa vida de aventuras só me pagavam o que era publicado.
Sobrevivi, no entanto... como pescador.
Em águas tropicais, com um macua a quem aprendi a chamar irmão, mergulhava todos os dias e caçávamos o suficiente para vender aos armazéns da tropa e ganhar uns trocos para a bucha. Tenho saudades do Antumane!
O problema viria, no entanto, dos meus próprios compatriotas, embora me arrepie um pouco chamar-lhes isso, ou seja, no concreto, do exército português, que não via com bons olhos um jornalista sem papas na língua e sem medo no corpo a meter-se nos seus terrenos e a escrever sobre aquela espécie de guerra (espécie “porque sim”, a História já contém as explicações, guerra porque se morria nela, e muito).
Mais precisamente, o problema final veio de um personagem tenebroso que dava pelo nome de Kaulza de Arriaga e era General.
Ele conhecia-me bem e eu conhecia-o bem a ele.
Passei-lhe por entre as malhas muitas vezes e não gostou, de modo que um dia chamou-me ao Quartel General e disse-me que, já que eu tinha a mania que gostava de escrever sobre a guerra e me queixava dele por ter impedido muitos artigos meus de sair, queria dar-me uma oportunidade “de ver a guerra a sério” – como se eu não a tivesse visto já em muitas frentes de combate, incluindo Mueda, Nangade, Mocímboa da Praia, Niassa, Tete, por todo o lado onde o quente era quente. Ele sabia que eu tinha estado, a pé, em Nangade, um estranho aldeamento a poucos quilómetros do Rovuma e da Tanzânia, em plena zona de combate armado, onde os autóctones não eram autorizados a construir as suas casas tradicionais de adobe porque tinham que as fazer em alvenaria e com rede de esgotos – em plena selva, no meio de coisa nenhuma... grandes negócios
se faziam por lá, sim, porque os materiais de construção não cresciam nos embondeiros!
Portanto, o bom do general disse-me que tinha dado ordens ao brigadeiro para me revelar os planos das próximas operações de comandos, para eu escolher uma e acompanhá-la, com a garantia de que autorizaria a publicação do que eu escrevesse. As viagens de avião para Nampula e daí para onde fosse preciso até ao teatro das operações eram oferta do exército! Anedótico!...
Conhecendo o bicho como eu o conhecia, nem sequer me admirei – os gangsteres da velha Chicago eram mais directos: emboscavam a vítima, despejavam as metralhadoras e estava feito.
De modo que resolvi falar-lhe na Zaida, na minha velha mãe, que nessa altura nem era assim tão velha, mas não ficaria decerto nada satisfeita quando um major qualquer lhe batesse à porta para dar a triste notícia de que o filho tinha sido vítima de uma emboscada de terroristas, os malandros, que lhe encheram o corpo de balas de Kalashnikov... “Não, General, não quero escrever mais sobre guerra, para mim acabou... agora até estou a fazer crítica de cinema para dois jornais... não, obrigado!”
No dia seguinte tinha uma ordem de expulsão de Moçambique, passada pela PIDE-DGS. Uma ordem de expulsão, eu que tinha Bilhete de Identidade de Moçambique, Carta de Condução de Moçambique, Passaporte de Moçambique, todos documentos de cidadão português numa terra sob administração portuguesa e oficialmente parte integrante da nação portuguesa...
Nem discuti. Se reclamasse que aquilo era ilegal, as coisas pioravam, está visto.
Portanto, usei os 20 dias que o ofício me dava para abandonar o território, vendi o que pude e fui para a África do Sul com um visto de 60 dias, à procura da maneira mais barata de chegar à Europa, que pensei que seria de barco mas foi um voo muito suspeito num 707 que parecia uma lata velha com folgas barulhentas em todas as juntas, para o Luxemburgo.
...outra história inesquecível, à chegada:
... após uma aterragem por radar com um nevoeiro que limitava a visibilidade no solo a 6 metros...
... após dois meses na África do Sul, a falar inglês...
... após uma travessia de meio globo entre dois continentes...
... já com a porta traseira do avião aberta, vejo dois homens a empurrar uma escada, repetentinamente surgidos do nevoeiro e a primeira coisa que ouço deste novo lado do velho mundo é... "Empurra pra lá, caralho!..."
Foi aí que fiquei a saber que havia portugueses em TODO o mundo!
Velha Europa!
Um banho de liberdade, para quem vinha de terras de todas as proibições.
Paris, os filmes de Felinni e Pasolini, finalmente! Londres, onde se pode usar a voz, o papel, a opinião, a verdade!
Depois, inevitavelmente, a terra-mãe.
À boleia desde Paris até Fuentes de Oñoro, para apanhar o comboio e conseguir contrabandear uma entrada “ilegal” até Vilar Formoso, porque não tinha papéis militares, apesar de cinco anos de tropa... não conseguira que mos dessem (que surpresa!)...
De volta ao Velho Continente, trouxe comigo a maravilha de muitas vivências africanas, terra de que nunca conseguirei arrancar as raízes que lá me
cresceram.
Dessas, a mais fascinante foi inesquecívelmente o tempo que vivi com uma tribo selvagem, em plena floresta tropical e como membro da tribo – um testemunho que ainda não arranjei tempo para deixar contado – mas que deixarei, porque foi a experiência humana mais enriquecedora por que passei em toda a minha vida.
Os "selvagens" teriam muito a ensinar a estes civilizados entre os quais vivemos – e que somos!
Depois, encontrei em Lisboa velhos companheiros da Rádio e vesti o papel de “repórter de exteriores” do Programa Limite, na Rádio Renascença – o tal do Grândola Vila Morena.
Sete reportagens por semana, seis cortadas pela censura – uma média e peras!
Até à noite de 24 de Abril de 1974. Nessa madrugada, estava num dos corredores da Renascença a comer iogurtes com a mesma Barbara Skolimowska que tinha andado comigo nas guerras de África quando foi difundido o primeiro comunicado do Movimento das Forças Armadas, já o “Grândola” tinha posto o Capitão Salgueiro Maia a caminho de Lisboa.
Fui para a rua, juntei-me à coluna no Terreiro do Paço, a convite do Capitão de Abril e acompanhei toda a tomada de Lisboa, até ao Quartel do Carmo.
Tinha comigo os dois únicos gravadores que estiveram na revolução dos cravos, de modo que fiz aquela reportagem que qualquer jornalista sonha fazer um dia na vida. Recolhi sons, depoimentos, comentários, descrições em tempo real, tiros, pânico, manobras militares, até que Marcello Caetano saiu deposto e Spínola leu as regras do novo Portugal.
Todo este trabalho foi depois editado em disco, como documento histórico.
As convulsões que se seguiram fizeram-me entrar num período de grande actividade, que me levou até à Zâmbia, com Mário Soares e Otelo Saraiva de
Carvalho, onde conheci Samora Machel, com quem fiz novo disco-documento de uma longa entrevista.
Lá estavam Joaquim Chissano e os principais líderes da Frelimo, com a figura histórica de Kenneth Kaunda como anfitrião.
De volta, estive a trabalhar para o Rádio Clube Português, que então se chamava “Emissora da Liberdade”, até que a nova censura me desmentiu o nome da estação e bati com a porta!
Enough is enough!
Por muito que goste de jornalismo, fiz-me fotógrafo.
Obtive uma Carteira Profissional, especializei-me em Fotografia Industrial e Publicitária, fotomontagem artística, Fotografia Aérea, um pouco de tudo. Fiz
Exposições, participei noutras e “sequei a teta”, como costuma dizer-se.
A partir de certo ponto já não havia novidade e perdeu a piada.
Entretanto passei por nove anos de um casamento tempestuoso com uma alentejana que acabou por ser a única relação que tive até hoje que não deixou uma plataforma futura de amizade continuada.
A única mais-valia que introduziu na minha vida foi dar-me dois filhos maravilhosos, que amo e de quem já tenho netos!
...há sempre um lado positivo em tudo na vida!...
Durante uns tempos interessei-me por medicinas naturais e tirei meia dúzia de cursos, para consumo próprio. Aperfeiçoei as técnicas de massagem que já iniciara antes mesmo de ir para África, aprendi algumas terapias muito específicas, mas profissionalmente nunca trabalhei como naturopata, não tenho a vocação necessária, é só mesmo para as pessoas amigas e da família.
Como não poderia deixar de ser, tornou-se inevitável um mergulho sério nas novas tecnologias, até porque é completamente falso que burro velho não aprenda línguas. O único burro que não aprende é o burro preguiçoso.
Aprendi o que a Internet trouxe ao mundo e transformei-a num instrumento de trabalho a juntar ao computador, ao telemóvel, ao carro e ao cérebro. Tive uma série de cenas de ciúmes e beicinhos, porque dedicava “demasiado tempo” ao estudo dos “fundamentais”, como processadores de texto, bases de dados, folhas de cálculo, desenho vectorial, trabalho de imagem, apresentações multimédia e tudo o mais que faz de quem não os domina o analfabeto dos nossos dias. Quando aprendi a fazer páginas de internet e construí as primeiras, considerei o curso completo e acabaram-se as cenas de ciúmes, mas os conhecimentos ficaram. É assim que se faz, agora e sempre, no passado como no futuro.
Se as monarquias quinhentistas pensassem deste modo, talvez os Reis Católicos tivessem chegado à Índia em vez de “às Índias”, para além de que nunca teriam assinado o Tratado de Tordesilhas... mas pouca diferença lhes fazia não saberem que a terra era redonda e não teria havido GPS que os salvasse: era um disparate tão grande, nesses tempos, saber o pouco que eles sabiam de mapas, como hoje o é não perceber as bases do geoposicionamento por satélite!
Mas adiante...
Uma experiência curiosa foi um percurso de cinco anos ligado ao Desporto, que me levou mais uma vez a visitar as sete partidas do mundo. Organizei competições de nível mundial, dentro e fora do país, à mistura fiz dois Congressos Mundiais de uma modalidade jovem em grande expansão e representei o Desporto durante 6 anos no Conselho de Opinião da RTP.
Nessas andanças ajudou-me bastante o inglês que adoptei como segunda língua desde que trabalhei numa emissora sul-africana e até três anos e meio de vida com uma companheira britânica - o mesmo inglês que ensinei aos meus filhos que era tão importante saber como importante era falar e escrever bem o português.
Logo depois, porém, começaram a chegar-se-me perto demais os níveis de corrupção ligados a certas áreas do Desporto e, por culpa das coisas que o meu pai me ensinou, não sei lidar com isso, portanto saltei fora.
Então, para maior felicidade pessoal, voltei ao jornalismo. Convidaram-me para ocupar o cargo de Director de Informação de uma estação de rádio e montei um departamento de redação e reportagem, de raiz, de que sempre me orgulharei. Durou pouco, porém... coisas de dinheiro e de gestão... mas foi bom enquanto durou, trabalhava 18 horas por dia, eu que não tinha horário, e vivia feliz.
Depois foi a Imprensa escrita, de novo, uma revista mensal de grande informação.
Tarefa difícil para um órgão de comunicação social que não pertence a um “grupo”, mas esse é o problema dos gestores, da área comercial não percebo nada – na minha, nunca tive ninguém a dizer-me o que devia ou não devia (ou o que podia ou não podia) publicar.
Toquei em todas as feridas sociais que me pareceram merecer a luz da opinião pública e nunca tive medo de publicar a verdade, doesse ela a quem doesse.
Afinal, o 25 de Abril sempre trouxe qualquer coisa!
A isso, juntei depois os livros.
Só tinha publicado dois pequenos livros de poesia, mas encontrei a necessidade de vir a público, de uma forma mais
permanente que um artigo de imprensa o consegue, com histórias mal contadas, como é a idiotice da origem genovesa de Cristóvão Colombo, um nobre português que ainda não encontrou esse lugar nos livros de História e, mais recentemente, certos atropelos da medicina que mutilam inutilmente milhares de portuguesas todos os anos, por falta de informação, lacuna que estou a tentar preencher com satisfatório êxito e considerável desconforto de certos senhores doutores que se esqueceram do juramento que fizeram e parecem não compreender o significado tão simples da expressão “superior interesse do paciente”.
Fui, entretanto, inúmeras vezes convidado para fazer palestras sobre os Descobrimentos em Escolas de Ensino Secundário, para participar em Conferências, Congressos e Colóquios sobre as régias malandrices políticas de há quinhentos anos e sobre o pobre estado em que se encontra a cultura contemporânea deste país, o que faço com gosto, para dar corpo ao próprio título com que inicialmente abordei toda esta temática, que é “Mutatis Mutandis”, uma expressão em latim que significa “Mude-se o que tem que ser mudado!” Isso, eu gosto de fazer!
Também se aplica à última das solicitações para que tenho agora vindo a ser chamado, que é alertar as pessoas para os abusos da medicina – vou-o fazendo sempre que mo pedem, às vezes no meio de uns quantos médicos que não gostam de me ouvir falar... mas vão tendo que levar comigo!...
Como diz uma amiga minha toda moderna: “Temos pena!...”
Da minha incursão no mundo dos livros ficaram-me duas tristes recordações:
1. uma “distribuidora” que não me pagou a venda dos livros sobre Cristóvão Colon (a QuidNovi, até hoje com uma dívida de cerca de dois mil euros que não honrou), o que explica porque é que se diz que “ninguém ganha a vida a escrever livros”…
2. …e uma atitude bizarra da Comunicação Social portuguesa sobre um assunto é um caso de Saúde Pública (uma doença que afecta quase um milhão de mulheres neste país e permite que mais de quatro mil por ano sejam amputadas dos seus órgãos reprodutores… inutilmente), que mereceu a mais completa ignorância por parte de jornais, revistas e televisões…
Pareceu-me tão importante divulgar este assunto que decidi escrever um livro a explicar em detalhe o tratamento extraordinário e inovador que surgiu, em Portugal e de Portugal para o mundo, para lidar com ele.
Fi-lo numa linguagem acessível, que pudesse ser entendida com facilidade por quem mais se interessa por tudo isto: as mulheres que sofrem da doença - mas dotei-o também do enunciado científico suficiente para levar a classe médica a dar-lhe a atenção que merece.
Pensei que era importante!
Curiosamente, esteve mais de um ano escondido nas prateleiras das livrarias e chegou a ser-me dito por um distribuidor que o grupo Bertrand se recusou a incluir o título no seu catálogo, ignorava por que razão.
Da Comunicação Social (essa que enche páginas com as distensões musculares dos jogadores de futebol), recebi a mais completa ignorância.
A certo passo, com revolta, percebi porquê: num país em que cada vez mais existe a vergonha de certa imprensa que publica quem lhe paga para ser publicado (o que nunca fiz e nunca farei), fui eu próprio vítima da suspeita de que o meu livro era uma "encomenda" do Hospital onde este tratamento é feito... Só o percebi quando alguém mo perguntou! O que tomei como uma ofensa e um insulto.
Tive ocasião de esclarecer publicamente que nunca tive qualquer relação com o Hospital em questão e que a única coisa que esse Hospital me ofereceu até hoje foi meio copo de sumo de laranja (artificial) e uma miniatura de pastel de nata, durante as dez horas em que lá estive a assistir a seis intervenções e fazer a reportagem que viria a dar o livro...
Enviei uma cópia (gratuitamente, claro) a todos os canais de televisão e muitos dos seus programas de maior audiência, bem como rádios, revistas e jornais. Não tive uma única resposta.
Já percebi que as lesões dos futebolistas e os testemunhos dos ilustres representantes do nosso jetset social, que povoam diariamente os "talk-shows" nacionais, são mais importantes que uma doença que afecta 40% da metade feminina da população portuguesa...
...mas não esqueçamos que o que pretendi que o livro revelasse às mulheres foi que podiam evitar uma "grande cirurgia" com um simples tratamento de seis horas em ambulatório (por um quarto do preço) e continuarem a poder ser mães... isto parece que viria estragar muitos "negócios" aos tais senhores que se esqueceram do juramento, verdade?... (já ouviram falar da palavra "lobby"?...)
No entanto, repeti a gracinha, quando o cientista português responsável por este avanço da medicina que tem salvo a qualidade de vida a milhares de mulheres e já está exportado para mais de meia dúzia de países por esse mundo fora, resolveu virar-se para os homens!
Trata-se do Dr. Martins Pisco, pioneiro que tem tido a coragem de enfrentar lobbies de uma medicina que olha mais para o dinheiro que para a saúde.
Os homens, porém, são um caso diferente. Enquanto que as mulheres podem ou não ter a doença, nos homens a próstata "incha" com a idade e chega a bloquear a uretra, obrigando ao uso de algália e, tal como nas mulheres, à perda de qualidade de vida... e tal como nas mulheres, o que é que os medicos mandam fazer?... cirurgia, extração!
"Esquecem-se" sempre de dizer ao doente que vai ficar impotente e usar fralda para o resto da vida!
O problema está em que isto acontece a TODOS os homens! Não se trata de poder ou não ter a doença, é tão natural como ter cabelos brancos. A partir dos 60 anos a taxa de incidência é de 60% e aos 90 atinge os 100%...
... ou seja: ou morremos antes ou vamos passar por isso!
Ora bem, tal como para as senhoras, isto cura-se sem cirugrgia, com anestesia local, num tratamento de seis horas. Quando ainda existe, a potência sexual aumenta e não é preciso recorrer às fraldas com que todos começámos a vida!...
Portato, escrevi também um livro a divulgar o procedimento... com o mesmo resultado do outro: não chegou a quase ninguem! Nem Comunicação Social, nem livrarias, nem revistas médicas, nada!... Que poder têm os "lobbies"!...
Se há alguma palavra que defina o contrário de "best-seller", os meus livros encaixam-se nela...
Fiz o que pude...
Depois iniciei uma outra aventura. Já tinha feito “trabalho público”, representando o Desporto no serviço público de televisão, mas depois vi-me mais
intimamente ligado à cultura, ao assumir a direção da Associação Dr. Manuel Luciano da Silva e do Museu de Cavião. Grande amigo e irmão de pensamento, o Dr. Luciano da Silva pediu-me que o fizesse porque vivia inconformado com a estagnação que se mantinha naquele Museu desde a sua fundação, nove anos antes.
Fi-lo com gosto, muito trabalho e a dedicação de alguns colaboradores que me apoiaram, incluindo o próprio e ilustre português, até nos ter deixado em 2012.
Uma instituição que nunca tinha feito nada esteve envolvida em 262 eventos nos dois anos que se seguiram, a maior parte dos quais organizados por nós.
Despertámos o interesse de 15 estações de rádio e 27 jornais em quatro países, 8 canais de televisão em Portugal e 4 nos Estados Unidos, tendo estendido as actividades da Associação a 87 instituições congéneres, em 36 cidades e vilas portuguesas, com visibilidade em países como o Brasil, os Estados Unidos e República de Cuba.
Porque é que conto tudo isto?... Para concluir com “a moral da história”:
Uma Associação Cultural sem fins lucrativos e possuidora do “Estatuto de Utilidade Pública”, que nunca cobrou um cêntimo por nada que fez, que viveu,
primeiro da oferta das estruturas por outro ilustre valecambrense também já falecido (o Comendador Álvaro Leite), depois pela oferta dos direitos de autor
dos livros do Dr. Luciano da Silva, não tem hoje sequer o apoio de nenhuma das suas famílias, nem como forma de honrar o mérito e a obra dos que já partiram, muito menos, neste país falido, das entidades oficiais – cujo auxílio, até hoje, é exactamente igual a zero…
…pelo contrário… aqui aprendi mais uma lição, esta sobre “fundos públicos”.
O Instituto de Emprego e Formação Profissional assumiu conosco o apoio parcial a um estágio profissional de uma colaboradora que se revelou preciosa e fez um trabalho extraordinário – a quem pagámos o que nos era imposto por lei. Quem nunca pagou foi o Instituto de Emprego e Formação Profissional… à data que escrevo estas linhas passam quase dois anos sobre o prazo devido de reembolso… e nada – continua em aberto uma dívida de 3.348,00 euros.
Repare-se que não falei em juros: sabendo, como todos sabemos, que o estado não é uma pessoa de bem, ficaria muito surpreendido se nos pagassem juros… já teremos muita sorte se não viermos um dia destes a receber uma notificação de que “a dívida caducou”… !
Outra lição, ainda: como funcionam as “repartições”: uns diziam que já tinham pago, depois que afinal não tinham, mas que iam pagar… dezenas de tentativas para chegar à fala do “responsável”, que rapidamente se transformaram em centenas sem que os telefonemas tivessem consequência ou os emails resposta, revelaram que é mais difícil obter uma audiência com um funcionário do IEFP que com o Presidente da Republica… sua excelência (o funcionário) nunca está disponível…
(Nota: uma semana depois da publicação deste artigo, sem nunca nos ter contactado e com 577 dias de atraso, o IEFP fez finlmente a transferência para a nossa conta bancária)
É o país que temos! O orgulho de ser português e pertencer a este povo nobre só me é ensombrado pela tristeza de ver no dia-a-dia o estado a que chegámos…
Somos o país mais antigo da Europa, mas estamos a atravessar o momento mais vergonhoso da nossa História!
Enfim, teria muito mais coisas a contar, de um longo e bem preenchido percurso de vida, o que irei fazendo como e quando calhar, mas fica-me, para já, não um repositório de recordações mas sim o contínuo enriquecimento de me relacionar com tanta gente, que tem sempre alguma coisa para nos ensinar.
O jornalismo, a minha profissão de amor, levou-me à intimidade de reis e presidentes, criminosos e marginais, filósofos e artistas. Entrevistei assassinos, poetas e militares, príncipes, drogados e campeões, doentes, feiticeiros, exploradores e cientistas… entrevistei até os homens que foram à
Lua, pouco tempo depois e o terem feito…
Aprendi a diferença entre “terrorista” e “lutador pela liberdade”. Aprendi que toda a gente diz que é honesto, mas poucas pessoas o são. Aprendi que ninguém fala verdade!
Vi morrer ao meu lado… e nascer também!
Estou, portanto, mais preparado para a vida que ontem… mas amanhã estarei mais!
Hoje, contra todas as espectativas que a vida encerra de não existirem "finais felizes", não estou só..
...é a últma história que aqui deixo, porque é uma que me enternece até fundo da alma e constitui a transformação do meu "Cabo das Tormentas" no meu "Cabo da Boa Esperança".
Ao longo dos extensos quilómetros de vida, muita gente cruzou a minha, nela entrou e dela saiu,
Saiu o meu Pai, que me ensinou a ser Homem, a Guida, que me ensinou a amar... e muitas outras perdas que nos deixam mais pobres, depois de nos terem feito mais ricos!
Uma dia, também, saiu quem me abriu a porta da vida, a minha Mãe...
Mas a velha Zaida não partiu sem deixar rasto... oh, não!
Cansada de me ver, ano após ano, inicar e terminar relações na minha procura eterna de toda uma vida por uma companheira com quem pudesse partilhá-la, ela ansiava por ver o filho consegui-lo e ser, finalmente, feliz...
Vai daí, a boa da velhinha decide "tentar empurrar o destino" e inicia uma discreta campanha "casamenteira".
Ainda hoje vive, no andar abaixo do que era o dela, a sua melhor amiga, a D. Laurinda, mulher de armas e muito experiente, refugiada de guerra, com um rebanho de filhos (e hoje netos e bisnetos), por quem foi guerreira e protegeu de tudo e todos até os conduzir ao porto seguro da vida.
Ora então, uma dia a querida da Zaida resolve dizer-me: "Filho, tu nunca mais assentas... olha, a D. Laurinda tem uma filha que é um encanto, está divorciada há dois anos e vive sózinha e triste... devias conhecê-la!..."
Sorri da boa intenção, mas nunca mais pensei nisso... e esqueci-o de novo tão depressa quanto da primeira vez, quando mo repetiu com o que se transformou em alguma regularidade.
Mais tarde, vim a saber que ela fazia o mesmo com "a filha da D. Laurinda"... "sabe, o meu filho tem fama de aventureiro, mas olhe que é um homem bom... vocês deviam conhecer-se!.."
Teve, desse lado, o mesmo resultado que do meu...
... ...e um dia morreu...
Fui para o pé dela na véspera, mas nem então cheguei a conhecer "a filha da D. Laurinda", embora fosse quem todos os dias ia a casa da Zaida fazer-lhe jantar e partilhá-lo por companhia... eram grandes amigas!
Foi no dia em que ela morreu, depois já de ter fechado os olhos para sempre, que conheci a Fatinha.
...e com ela, conheci a Mulher que veio dar, finalmente, sentido à minha vida!
A Zaida já não viu, a Zaida já não soube, por isso ambos dizemos, um do outro, que...
fomos a herança que a Zaida nos deixou!...
... e chega!...
Já passei por muito na Vida, mas falta-me ainda fazer tudo aquilo que não fiz!
Num texto que se pretendia ser do próprio e sobre si (escrito porque mo pediram), concluo apenas que, numa biografia e na maior parte dos casos:
…a grafia é chata, o importante é a bio - e essa temos que a fazer todos nós, todos os dias!
Pedro Laranjeira
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