PÁGINA PESSOAL DE PEDRO LARANJEIRA 23 ABRIL 2008

SONOPLASTIA

...uma arte pouco conhecida

Fui contactado por um grupo de alunos do 3º ano do curso de Ciências da Comunicação do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, da Universidade Técnica de Lisboa, que me pediram uma entrevista como forma de colaboração num trabalho sobre Sonoplastia na Rádio em Portugal, no âmbito da disciplina de Técnicas de Rádio, leccionada pela Professora Doutora Paula Cordeiro e pela Professora Maria da Luz Ramos.

O grupo de alunos descreveu assim a iniciativa em curso:

"Com a realização deste trabalho queremos fazer uma análise sobre a evolução da sonoplastia em Portugal, dando não só uma perspectiva sobre o passado, mas também sobre o presente da utilização desta técnica na rádio portuguesa."

Integram o grupo João Olimpo, Sara Costa, Juanita Ferreira, Cláudio Baptista e Sandra Ferreira.

Para tanto, enviaram-me um conjunto de perguntas, que aqui reproduzo, com as respostas que lhes enviei.

Qual o trabalho de um sonoplasta na rádio?

Criar um "ambiente" em que o som construa a imagem a formar-se na mente do ouvinte, por forma a permitir a sua integração no enredo ou no assunto que se pretende transmitir, de modo a que esse "cenário" dispense a necessidade de narrativa quanto ao que circunda a acção, limitando assim a voz, tanto quanto possível, ao discurso directo.

Existem diferenças significativas entre o trabalho de um sonoplasta nos dias de hoje e de antigamente? Quais?

Os princípios são os mesmos, os objectivos também. A única diferença é a evolução tecnológica que, do passado para o presente, como do presente para o futuro, permite sempre mais e melhores meios para atingir fins.

De que maneira as novas tecnologias podem condicionar a criatividade de um sonoplasta, como no caso da captação de sons?

A captação de sons nem sempre reproduz com fidelidade a imagem das situações que lhes deram origem.

Quer com recurso a novas tecnologias quer com inventividade e imaginação, o trabalho de um sonoplasta baseia-se sempre na avaliação da perceptibilidade que o ouvinte terá dos efeitos que se criam para transmitir as imagens ou sensações.

Seja qual for a origem do som a utilizar, quer pelo recurso a novas tecnologias, sintetizadores ou misturas, quer pela captação directa de sons, o único critério é o do efeito que vai produzir, pela natureza dos sons e pela integração no bloco de que fará parte.

O que deve conter uma sala de sonoplastia hoje em dia? E nos primórdios, visto a tecnologia não ser tão evoluída, como seria essa sala?

A sala de um sonoplasta é o mundo em que vivemos.

A técnica de que necessita para produzir o trabalho final de montagem é o normal estúdio de gravação, que pode ir do clássico, com mesas de montagem e espaço insonorizado para captação de vozes e sons, até à panóplia actual de suportes informáticos e software adequado (do tipo Sound Forge, por exemplo), indispensáveis actualmente para produção de um resultado final de alta qualidade. A maior diferença positiva na passagem do passado para o presente foi a transição do analógico para o digital.

Com recurso à ciência, o futuro abre portas de usabilidade infinita.

Não esquecer, no entanto, que o uso do som é (deve ser) uma arte que depende da criatividade individual. Novos "truques" estão constantemente a ser inventados por quem tem imaginação. Embora dependam sempre de tecnologia, podem ter o ineditismo de "nunca ninguém ter pensado nisso antes" - aconteceu já e continuará a acontecer.

Um excelente exemplo disso foi o "Sensurround", inicialmente usado no filme "Terramoto" - pode dizer-se que o filme vive tanto do som como da imagem. Utiliza-se, inclusivamente, o recurso a frequências sub-sónicas: embora o ouvido não as capte, estão presentes no ambiente e tiveram mesmo efeitos devastadores nas audiências.

Onde é aplicada a sonoplastia, hoje em dia, nas rádios em Portugal?

Em tudo - ou deveria sê-lo em tudo, desde a integração do jingle de sinal horário no bloco noticioso até ao teatro.

Qualquer peça de Reportagem ou Grande Reportagem ganha nova dimensão se tiver um tratamento adequado de sonoplastia.

Em que medida é que a sonoplastia contribui para a imagem de uma rádio, ou seja, marcando um estilo próprio que a distinga das demais? Por exemplo no caso da TSF.

É decisivo, tão importante como a criatividade gráfica na elaboração de um logo ou a invenção de um slogan que remeta para a marca. A TSF é um excelente exemplo de uma rádio que tem plena consciência disso: é identificável em qualquer espaço de poucos minutos, porque criou referências sonoras a que é fiel e estão no subconsciente de todos os ouvintes, a partir da segunda ligação à frequência.

Tivemos oportunidade de ver no seu currículo que esteve ligado ao Rádio Clube Português. Tinha algum contacto com o que era feito a nível de radionovelas/teatro radiofónico?

Não no Rádio Clube Português, onde participei como jornalista (1974-1975). Sim no Rádio Clube de Moçambique (1962-1972), onde fui responsável pela sonoplastia do grupo de Teatro Radiofónico criado por Sarah Pinto Coelho, que fez escola e produziu excelentes trabalhos, sob todos os prismas de análise.

A sonoplastia surgiu ou desenvolveu-se a partir das radionovelas?

- saber ano

- fim das radionovelas / competição com a televisão

- sonoplastia - evolução

Nada mais incorrecto. A sonoplastia nasceu com a rádio, há um século. Mesmo sem a classificação de sector profissional especializado que viria a ter, sempre existiu desde as primeiras emissões experimentais realizadas no princípio do século XX.

Em rádio, as novelas sempre tiveram menor expressão que o teatro.

Não confundir: embora a Rádio tenha ainda (por culpa dos estrategas de televisão) uma capacidade mais imediata de intervenção em tempo real no sector de informação e reportagem do que a televisão, nunca poderia concorrer com esta na área da novela.

O fenómeno "novela" é tipicamente televisivo e, em Portugal como na Globo brasileira (a Manchete é disso excepção), não usa o recurso à sonoplastia tanto quanto o cinema o faz: aí, a sonoplastia é fundamental e tem um papel reconhecido (dois exemplos de cinema português em que o som é excelente e contribui decisivamente para o resultado final: "Kilas o Mau da Fita" e "Call Girl").

Qual a importância da sonoplastia nas rádionovelas/teatro radiofónico (complementando o discurso entre personagens - enriquecendo a acção)?

Deve fazer parte integrante da acção, acompanhá-la e complementá-la.

Os realizadores de cinema sabem-no e os próprios autores de música de filmes acompanham todo o enredo com essa perspectiva em mente. Se no cinema é um dado enriquecedor, no teatro radiofónico - aliás, em tudo na rádio - é fundamental.

A nível da sonoplastia, lembra-se de algum efeito que tenha sido feito de forma invulgar/curiosa? (ex: um comprimido se dissolvendo num copo d'água era uma pessoa sendo atacada por formigas).

Um caso curioso que me lembro foi o da montagem final da introdução à reportagem de rua do 25 de abril editada em disco. Queria usar como "fundo" da narração o som das mondadeiras a debulhar o milho com que começa o "Grândola Vila Morena" do Zeca Afonso e verifiquei que não conseguia retirar o som do disco de forma perceptível e com qualidade, pelo que acabámos com três de nós do lado de fora do estúdio, num local de obras, a caminhar sobre gravilha e a gravar o som: foi assim que reproduzimos as espigas a bater na eira e é esse o som usado como fundo da apresentação à reportagem, a partir do segundo minuto do disco.

Qual a importância da sonoplastia na rádio em Portugal?

Total e eterna. Nenhum sintetizador se lhe pode substituir, por mais que a técnica evolua, pois trata-se não só de criar sons coerentes com as narrativas, mas de induzir ambiências psicológicas que situem o ouvinte no espírito que se pretende e isso não é um mero trabalho técnico, é uma criação artística.


© PEDRO LARANJEIRA

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