PÁGINA DE IMPRENSA DE PEDRO LARANJEIRA 10 maio 2008

UMA DOENÇA ESCONDIDA

QUE PODE ESPERAR 40 ANOS PARA APARECER

NÃO DIAGNOSTICADA,  PODE CONDUZIR À MORTE

QUANDO DESCOBERTA, TEM CURA EM 24 HORAS

Trata-se de uma coisa em que ninguém pensa, que os médicos não procuram, que pode matar mas tem cura… e que qualquer português que tenha estado em África pode trazer no corpo, sem saber, durante quarenta anos. Chama-se esquistossomose e merece atenção.

Só pode ser contraída em regiões tropicais da África sub-Sahariana, portanto em Angola, Moçambique e na Guiné, onde viveram ou por onde passaram muitos portugueses.

O problema reside em que a doença pode ser contraída e ficar latente durante cerca de quarenta anos, o que coloca como alvos todos aqueles que viveram nas ex-colónias, as visitaram ou aí fizeram serviço militar.

A esquistossomose é provocada por parasitas platelmintos do género "Schistosoma".

Com 200 milhões de casos em todo o mundo, mata cerca de 200.000 pessoas por ano.

José Fidalgo Matos encontrou-a recentemente, já quase tarde de mais, mas a tempo ainda de salvar uma vida. Fomos falar com ele, para saber mais...

PL - Professor, o que é esta doença?

JFM - É uma doença parasitária e não existe na Europa. É relativamente desconhecida para nós, porque não estamos muito em contacto com ela… ou não estávamos. Agora começamos a estar, não só por cauda da grande imigração de portugueses que viveram nas antigas colónias e depois regressaram ao país, como também pela crescente facilidade das deslocações - o mundo hoje está muito mais pequeno e nós aqui na Europa estamos sujeitos a apanhar doenças que não eram habituais.

PL - Esta doença é muito antiga, segundo julgo, há mesmo registos da sua presença nas vísceras de múmias com mais de três mil anos...

JFM - Exactamente, é muito antiga.

O Professor Doutor José Fidalgo de Matos é Chefe de Serviço Hospitalar e Director do Serviço de Urologia do Hospital S. Sebastião, em Vila da Feira, que fundou há nove anos.

Formado na Universidade de Bruxelas e Doutorado pela Universidade de Barcelona, é autor de inúmeros trabalhos científicos de vanguarda, professor especializado e investigador com intervenções frequentes em Congressos em vários países da Europa e do mundo. Com 50 anos, é especialista em áreas como urologia,

oncologia, afecções prostáticas, dispositivos intra-uterinos, impotência, envelhecimento, incontinência urinária, cirurgia, extrofia vesical e engenharia biomédica, entre outras.

Mas estou convencido que há muita gente que anda com a doença e nem sequer sabe que a tem, muitas vezes é completamente assintomática e só muitos anos depois, trinta ou quarenta anos mais tarde, se vem a descobrir por outros motivos - o período de incubação pode chegar a quarenta anos, sem nenhuns sintomas.

PL - Este parasita é uma larva?...

JFM - Exacto, há três tipos diferentes de parasitas, uns que se dirigem mais ao tubo digestivo e provocam lesões no fígado ou a nível intestinal, mas em urologia o específico é o Schistosoma haematobium, que tem afinidade pela urina e pela bexiga ou pelo rim e que fica lá a hibernar, a produzir ovos e a levar à degenerescência carcinológica.

PL - E pode ficar durante quarenta anos num estado latente?

JFM - Exactamente. De início, ou a fase aguda da doença passa despercebida ou é-lhe dada outra etiqueta.

Por exemplo, as pessoas aparecem por vezes com essa doença per primum, com umas febres e a perder sangue nas urinas e não se descobre logo do que se trata, porque nem sequer se pensa nesse diagnóstico e encontra-se uma desculpa qualquer para justificar esse quadro...

PL - Ou seja, os sintomas são semelhantes a outros quadros clínicos?

JFM - Exacto. Isso depois passa, esquece-se e vai-se andando uns anos, só que o animal fica lá a produzir desgastes e a reproduzir-se. Passados muitos anos, chegam as consequências, que podem ser os rins destruídos, ou a bexiga destruída.

PL - O que é que pode ser feito? Acha que vale a pena as pessoas que estiveram em África fazer um teste, um despiste?

JFM - Eu acho que sim. O teste é facílimo, é uma simples análise de urina, em que se deve alertar o laboratório para a pesquisa do Schistosoma.

PL - Que consequência é que a doença pode ter, a longo prazo?

JFM - No pior quadro clínico, provoca cancro, um cancro que é diferente dos outros tipos de cancros da bexiga, em geral mais agressivo. A consequência é a pessoa ter que tirar a bexiga, o aparelho urinário e fazer as modificações necessárias.

PL - Mesmo depois de detectada a neoplasia, pode partir-se para a solução cirúrgica sem se ter ainda percebido qual foi a origem?

JFM - Exactamente. Pode detectar-se o cancro da bexiga sem saber qual foi o agente causal. Só se vem a descobrir após a cirurgia.

Agora, se a doença for detectada antes dessa fase, pode ser tratada com medicamentos que matam definitivamente o agente causador.

PL - O medicamento chama-se Praziquantel, é correcto?

JFM - Sim, presentemente o mais sofisticado da investigação actual é o Praziquantel. Em 24 horas fica o assunto resolvido.

PL - Ou seja, a doença tem cura?

JFM - Claro, cura total! Cura radical!

PL - Como é que se contrai esta doença?

JFM - Na água. Água doce, não água salgada. Nos rios ou ribeiros.

PL - Não tem que ser água estagnada?

JFM - Não, uma água qualquer.

PL - Há alguma semelhança entre esta doença e a bilharzíaze, ou bilharziose?

JFM - É a mesma coisa, é a mesma doença.

PL - O que aconselharia às pessoas que vão agora a África?

JFM - Evitar o contacto com a água doce, em rios ou lagos, sobretudo se tiverem lesões cutâneas, porque o germe entra pela pele.

PL - A transmissão não é feita por ingestão da água?

JFM - Não, não, é por contacto cutâneo, não é por beber. Se tomarem banho e tiverem alguma ferida recente, é muito perigoso.

PL - A doença está muito disseminada, ou é rara?

JFM - É muito frequente, em zonas tropicais.

PL - Quer deixar aqui alguma mensagem, sobre este assunto ou outro, que se lhe afigure actual ou oportuna?

Marcas de penetração de larvas na pele

JFM - Olhe, acho que tem havido um exagero nos media relativamente a doenças, nomeadamente ligadas à próstata e a doenças sexuais. As pessoas entram em pânico.

Por exemplo, o cancro da próstata, se bem que é uma doença que deve ser vigiada, mas não é algo de tão perigoso como as pessoas imaginam. Não é uma causa de morte!


© PEDRO LARANJEIRA
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