Em 1974, como nos anos anteriores, eu trabalhava como jornalista "freelance" e vendia trabalhos de reportagem a quem conseguia que mos comprasse. Eram tempos difíceis, com a existência da Censura, e não conseguia colocar mais do que 15% dos trabalhos feitos.
Um dos orgãos que me comprava reportagem nesses dias era o programa "Limite", da Rádio Renascença, que veio a ficar conhecido por ter transmitido a senha "Grândola Vila Morena" ao Movimento das Forças Armadas.
Trabalhava então com Barbara Skolimowska, colega e amiga com quem estivera em vários sítios de dois continentes, incluindo a fazer reportagens em zonas de guerra no norte de Moçambique. Era britânica, filha de pais polacos, companheira de trabalho e vida durante três anos e meio.
Na madrugada de 24 de abril, partimos para a rua e às primeiras horas da manhã juntámo-nos à coluna do MFA comandada pelo Capitão Salgueiro Maia, no Terreiro Paço, que nos convidou a acompanhar o movimento numa viatura militar cedida propositadamente à Comunicação Social.
Foi aí que encontrei Adelino Gomes que me pediu, dado eu possuir os únicos meios disponíveis de captação de som, para participar na reportagem. Adelino Gomes é, sempre foi, um jornalista de grande prestígio, por quem nutro profundo respeito, pelo que foi com grande satisfação que organizei a estratégia de todo esse dia para que nos mantivessemos sempre juntos e os meus microfones captassem prioritariamente o seu comentário sobre o desenvolver dos acontecimentos, tornando-o, por assim dizer, no narrador da revolução.
Foi um dia memorável, com experiências inesquecíveis, como o pânico popular quando as chaimites abriram fogo sobre o Quartel do Carmo e fui arrastado pela multidão mais de 20 metros rua abaixo sem que os pés tivessem tocado o chão; perdi um sapato e partiu-se-me um dos dois gravadores que possuia. Foi um dos raros momentos em que estive separado de Adelino Gomes por alguns minutos.
Deste profissional de comunicação social quero destacar duas situações que poucas vezes testemunhei em mais de três décadas de jornalismo: a sua prontidão a dar a cara - e o corpo - quando tentamos entrevistar os militares de uma força fiel ao governo que se aproximara do Largo do Carmo para tentar combater as tropas de Salgueiro Maia e o imediatismo instantânio com que correu ao meu lado em direcção aos tiros vindos da António Maria Cardoso, sede da PIDE/DGS, quando dezenas de pessoas corriam em sentido contrário (início da 3ª parte da reportagem).
Muitas vezes ao longo do dia as baterias dos gravadores "morreram" e foi Barbara Skolimowska que nos foi alimentando dos meios necessários à continuação do trabalho. Ao mesmo tempo, ela escutava e gravava as comunicações via rádio que as forças militares fieis ao governo trocavam entre si, que nos ia comunicando e mais tarde foram intercaladas na montagem final nos momentos em que aconteceram.
Não surgiram no local outros meios de capatção de som até ao final da tarde, o que me proporcionou o privilégio de ter podido obter sete horas de documentos sonoros da Revolução doa Cravos, que mais tarde montei num condensado de cerca de duas e meia que cedi à Rádio Renascença para difusão na noite de 26 e madrugada de 27, sob a condição de nada ser alterado, truncado ou eliminado - o que a RR respeitou.
Durante essa transmissão, fui contactado telefonicamente pelo Dr. Alberto Ferreira, director da Divisão do Disco Falado da editora Sassetti, que me propôs a edição da reportagem em disco documental. Pus-lhe as mesmas condições a que obrigara a Rádio Renascença, que aceitou e respeitou também, constituindo a montagem final que fiz sobre os acontecimentos aquilo que entendi estar deontologicamente correcto e respeitar a verdade.
Assim nasceu o disco "O dia 25 de abril - Diário da Revolução 1974", cujo direito de edição cedi à Sassetti para uma tiragem de 2.500 exemplares, por acordo a chegarem a público com um preço inferior a 180$00, de modo a que fossem acessíveis a todas as camadas de público.
Este é um dos trabalhos de que mais me orgulho de toda a minha carreira como jornalista, sinto-me feliz por poder ter estado no centro dos acontecimentos em data tão significativa, ter encontrado as parcerias que tanto valorizaram o trabalho e ter podido garantir ao património histórico do país um relato dos acontecimentos vivido no local e no momento em que aconteceram.
Das sete horas de reportagem que gravei ao longo desse dia, tencionou ainda vir a fazer uma montagem mais extensa e detalhada, que reproduza ao pormenor o que foi a Revolução de abril nos momentos cruciais em se revelou decisiva para o futuro, agora nosso presente, de Portugal.