Encontrei um vazio
na caixa do meu correio.
Abri, fechei, nem olhei,
que magoa olhar p'ra nada!
Segui na rua sózinho
com o vazio que achara,
e caminhava contigo,
com a'miga que encontrara...
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A cara seca de irmã
com que me falas de tudo,
e os olhos puros sem dor,
que a dor deixou maus e sós,
e teus, e teus e só teus,
caminharam ao meu lado
depois do vazio que achei
na caixa do meu correio!
Olha, não 'screvas mais
ou 'screve todos os dias,
que os olhos maus ou vazios,
com a dor que tos possui
e não fui eu quem lá pôs,
estão já presos a mim,
a mim que até sou capaz
de caminhar ao teu lado
quando me deixas sózinho.
A esta capacidade
de sonhar sem ter com quê,
chamo eu a sã loucura
que existe não sei porquê
no lugar que eu destinava
a outra coisa mais pura...
E gosto da sensação
porque não é de ninguém.
É minha sem que se saiba
da minha masturbação,
que eu ando só sem andar
e sou só também sem ser
- particular, julgo eu -
mais secreto que o beijar
de duas pombas à chuva,
mas também com tão concreto
egocentrismo sem nada,
que nem eu sei quantas vezes
a vida passa por mim
sem eu lhe dizer quem sou!
Percebes, flor com olhos?...
Não é a ti que eu possuo,
nem à sombra do teu ser
ou à cor do teu olhar,
nem ao furtivo sorrir,
nem ao adeus de chegar,
nem ao olá de partir...
É a mim que eu me possuo!
Sou todo meu e só meu,
no todo dos meus vazios...
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Que feliz eu por me ter,
eu homem e eu mulher,
que me amo sem amor
e dou a mim próprio a dor
... que o resto ninguém o quer!...