PÁGINA DE IMPRENSA DE PEDRO LARANJEIRA 5 julho 2009

10º FESTIVAL FOI UM ÊXITO

"JAZZ NO FEMININO" PARA 2010

No encanto do jardim atlântico com que a Madeira aquece a alma de quem a visita, aconteceram três noites do melhor Jazz que há no mundo, pela décima vez consecutiva desde o dealbar do milénio. 7.500 pessoas assistiram a um evento que já granjeou prestígio internacional e constitui hoje um ex-líbris cultural da autarquia funchalense, cuja Câmara Municipal promete manter a iniciativa.

O "Funchal Jazz Festival", a que tenho insistido em chamar "Funchal Jazz Magic" - porque o é - constitui já uma tradição e uma referência no panorama musical português e no circuito mundial de grandes eventos ligados a esta área nobre da arte universal.

Iniciativa da Câmara Municipal do Funchal, há dez anos que é organizado por uma dinâmica empresa portuense, o "Mundo da Canção", liderada por Avelino Tavares, que abraça o projecto com indisfarçada paixão.

Este ano, o Festival mudou-se da Quinta Magnólia, que estava a ficar pequena para a dimensão do evento, e instalou-se no coração da cidade, no Parque de Santa Catarina, uma jóia verde bordejada a sul pelo mar e a toda a volta pelo presépio eterno que são as colinas do Funchal.

Tudo cresceu: o espaço, as pessoas, a qualidade, a magia.

Foram três noites mais longas que nos festivais anteriores, em que o próprio público chamou de novo ao palco cada um dos grupos, para "mais um" daqueles momentos que não se quer esquecer.

TONY CRUZ

Antes do início da parada de estrelas, o Festival prestou homenagem a uma "special star", um madeirense filho de cabo-verdianos que o mundo conheceu e estimou em três continentes. Amadurecido no Funchal e durante meio século parte integrante das tradições do Savoy, Tony Cruz cantou e encantou, em português, outras cinco línguas e muitas sonoridades, enquanto criava um estilo próprio como baterista.

Deixou uma recordação de raízes madeirenses que farão parte imorredoira do património de memórias do Funchal.

Logo a seguir, outra madeirense tomou o palco. Com 25 anos de juventude, Vânia Fernandes foi o abrir da flor no jardim de três noites de música no paraíso.

Tem já um currículo notável, com formação inicial no Conservatório da Madeira e Curso de Jazz na Escola das Artes. Ganhou a "Operação Triunfo" e um festival da Canção RTP.

Em Belgrado cantou "Senhora do Mar" no Festival da Eurovisão, que lhe valeu o Prémio de Imprensa e a afirmação pelos jornalistas presentes de que era a melhor canção do festival.

Na abertura do Funchal Jazz foi electrizante e assinou um momento inesquecível, quando cantou os "Olhos Negros", uma balada com raízes na africanidade profunda da Guiné.

Quase se pode dizer que Galliano reinventou o acordeão. Músico viajado, com uma colecção impressionante de prémios, tocou com alguns dos maiores do mundo, que, se o influenciaram, foram por ele claramente influenciados também.

É fechando os olhos e ouvindo o Tangaria Quartet que se percebe porque é que eu chamo "Mágico" ao Funchal Jazz.

Houve um momento em que fui transportado a um voo sem brisa por sobre as ondas da praia, entre conversas de mergulhões e o namoro das gaivotas. Yma Sumac, num estilo completamente diferente, fez o mesmo há muitos anos, com a selva amazónica e os sons de Villa-Lobos... para quem a arte lhe corre nas veias, a música é um veículo que pode levar-nos ao inimaginável!

O segundo dia mostrou que melhor que ser o homem dos sete instrumentos, é ser mestre absoluto de um dos mais difíceis: o contrabaixo.

Com 72 anos, Carter tem uma carreira notável, como músico, escritor e professor.

Não é difícil perceber que se tem que ser um virtuoso para liderar uma banda com o instrumento fiel às raízes mais profundas da sonoridade envolvente do baixo, sem a cedência à acústica electrónica das novas tecnologias.

Foi o que este extraordinário músico fez ao longo de toda uma vida, recheada pela participação em filmes, títulos de "Doutor Honoris Causa", dois "Grammy" e mais de 2.500 álbuns.

Ouvi-lo actuar no Funchal, tanto quanto arrebatador, foi educativo.

Ligada à música desde tenra idade, esta jovem é a mentora de um colectivo a que carinhosamente chama "Jazzinho".

Partilhou palcos com gigantes da cena internacional e Lisboa inspirou-lhe o "Olissipo Eléctrico", há um ano.

Os seus músicos são de origens e nacionalidades diferentes, misturando o jazz com bossa nova, funk, afrobeat, soul e samba, com influências da música brasileira, da world music e do latin jazz.

Ela sobrepõe a todas as sonoridades o calor sensual de uma voz que não se esquece e é de uma versatilidade estonteante.

Surpreendendo pelo inesperado.

O início do último dia de Festival trouxe uma experiência que os mais novos que ali estiveram vão ter a felicidade de poder contar aos netos.

Benny Golson tocou na Cidade-Jardim no mês em fez 80 anos e meio de vida, com um percurso glorioso.

É um gigante com lugar cativo na História, como intérprete e como compositor.

Tem originais interpretados por quase todos os músicos de Jazz da actualidade.

O Quinteto de Cedar Walton, pianista e compositor de semelhante craveira, enriqueceu a sonoridade do saxofone de Golson, frequentemente envolvido em duetos de extraordinária beleza com o trompetista Philip Harper.

Não foi o único nas três noites, mas foi um dos músicos que o público aplaudiu de pé e exigiu que regressasse ao palco depois de "terminar".

O "Candombe" é uma das melhores demonstrações da influência africana na música latino-americana.

Nasceu no Uruguai há mais de dois séculos, da mistura de sons ibéricos com ritmos dos escravos vindos do Rio da Prata.

Inicialmente uma dança negra, transformou-se aos poucos num ritmo e num autêntico cerimonial de música e participação, que chegou a ser proibido durante o século XIX.

Um uruguaiano dos nossos dias, Alejandro Luzardo, trouxe-o à vida na Madeira, com um palco revoluteado por dez músicos, muita percussão e um estonteante cruzar de mudanças de tempo.

Luzardo é percussionista, toca guitarra e canta. Tem mais de 10 discos editados em vários países e sediou o seu projecto "La Candombera" em Barcelona. À frente da boca de cena, Nerfiz Vaz, irrequieto sob um eterno chapéu escuro, intercalou os desafios à participação do público com as intervenções contínuas de Luzardo… e a assistência aderiu, levantou-se, dançou, participou, com o primeiro exemplo dado pelo próprio Presidente da Câmara do Funchal.

MIGUEL ALBUQUERQUE

Foi com ele que conversei, na recta final daqueles três dias memoráveis.

Disse-me que estava encantado com a mudança de local para o Parque de Santa Catarina, onde o espaço era maior, o som melhor... e cabiam mais pessoas.

Classificou o Festival como uma tradição já ligada ao panorama cultural da cidade e quando lhe perguntei se isso significava que ele iria continuar a encher os primeiros dias de julho, nos anos futuros (a expressão com que fiz a pergunta foi "ad eternum") ele foi peremptório em garantir que sim.

...E CRISTÓVÃO COLOMBO

À semelhança de anos anteriores, mesmo ao lado do stand onde a Delta ia fornecendo, a quem lhe faltava, o "speed" para acompanhar o que se passava no palco, a organização montou uma "Feira do Disco", com música dos presentes e não só. A novidade, principalmente para mim, foi terem-me convidado este ano a ocupar um stand com as edições em três línguas do livro que escrevi sobre a origem portuguesa de Cristóvão Colombo, dado que o descobridor da América viveu na Madeira, ali casou e teve o seu primeiro filho, sendo uma figura de grande importância no Arquipélago, onde a cada passo se tropeça em coisas chamadas "Colombo".

maior surpresa foi o inesperado interesse que isso despertou, incluindo a súbita visita da Cláudia Rodrigues, que se identificou como minha colega, mandou apontar-me uma câmara de televisão e entrevistou-me… não sobre Jazz, mas sobre Cristóvão Colombo...

No dia seguinte, a RTP Madeira passava a peça em horário nobre.

Afinal, sempre há quem se interesse em repor a verdade da História!

Como não há uma sem duas, recebo então no stand a visita de Miguel Albuquerque, que se mostra muito interessado no tema, faz questão de tirar uma foto com o livro na mão e me assegura que as investigações que anunciei querer fazer na Madeira, sobre documentos que nunca apareceram e há fortes possibilidades de ali estarem, podem contar com o apoio assegurado da Câmara Municipal, "para tudo o que for preciso"...

As coisas que acontecem por o Jazz me ter atraído à Madeira!...

O MUNDO DA CANÇÃO

Uma palavra para a organização, que há dez anos assina este Festival que é já um marco histórico no panorama dos eventos musicais portugueses.

Acho notável como uma empresa do Porto, a mais de 1.000 kms do palco atlântico, atingiu um nível de profissionalismo em que, se um átimo tivesse falhado, poderia ainda assim louvar-se, mas como não falhou tem que ser considerado de excelência.

Ainda por cima (mas isso não é assim tão estranho em pessoas do Porto) não precisaram de receber lições de hospitalidade dos madeirenses, criaram um ambiente "mesmo à medida da Ilha".

2010 - JAZZ NO FEMININO

Finalmente, o "segredo" guardado até aos últimos minutos do Festival: foi outra surpresa vinda do Presidente da Câmara. Miguel Albuquerque propôs à organização formatar um programa para o próximo ano em que os grupos participantes fossem liderados por mulheres!

A ideia foi acolhida com entusiasmo, veremos se acontece de facto.

A verdade é que, à data em que escrevo este artigo, o plano está feito, os nomes encontrados, os contactos iniciados… e o Avelino Tavares, que tem sido generoso a partilhar segredos comigo, prometeu que me conta tudo assim que for oficial !... no entanto foi "deixando cair" nomes como Cassandra Wilson, Esperanza Spalding e Randy Crawford... será ?!...

Texto Pedro Laranjeira - Fotos Rui Camacho

Nos dias 2, 3 e 4 de julho, a Madeira acolheu o "Funchal Jazz Festival" , que foi o 10º Festival Internacional de Jazz organizado pela Câmara Municipal do Funchal.

Teve lugar no Parque de Santa Catarina, em pleno centro histórico da cidade.

Na primeira noite actuaram Vânia Fernandes, cantora madeirense, e o mestre francês que revolucionou a história do acordeão, Richard Galliano Tangaria Quartet. No dia 3 subiu ao palco Ron Carter, um dos mais respeitados contrabaixistas da actualidade, e Guida De Palma & Jazzinho, um projecto sediado em Londres. Benny Golson e Cedar Walton Quintet abriram a última noite exclusivamente com temas de sua autoria e Alejandro Luzardo y La Candombera fecharam o evento, prolongando as últimas horas de sábado até às primeiras de domingo.

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© PEDRO LARANJEIRA
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