SANTARÉM
Conta a lenda que Muhamed, alcaide de Santarém, desgostou da sua Zuleiman e a rapariga, despeitada pela rejeição, foi ter com o irmão de Afonso Henriques e contou-lhe todos os segredos de defesa do castelo.
Como os portugueses não dormiam em serviço, já mesmo nesse longínquo ano de 1147, o monarca tinha-se adiantado e antes sequer do seu irmão Pedro Afonso o ter posto a par das (in)confiedências da moura, tinha ele enviado o cavaleiro Mem Ramires a Santarém para um primeiro estudo estratégico, que conduziu ao ataque pouco depois. Foi o próprio Mem Ramires que segurou a escada por onde a coberto da noite subiram os neófitos portugueses e já foi uma bandeira azul e branca que saudou o nascer do sol com que Santarém se banhou para uma nova História.
Este feito daria origem a um dos grandes monumentos nacionais, o Mosteiro de Alcobaça, porque Afonso Henriques prometera na serra de Albardos que o ergueria se Deus arbitrasse a luta a favor da vitória lusa.
Terra de paixões, Santarém foi palco de dramas que agoram tocam a santidade do Condestável, por um dia ter estado apaixonado pela lindíssima Alda Gonçalves, que lhe foi roubada pelo Alfageme da cidade, um misterioso Fernão Vaz rico de negócios suspeitos. Como já então o mundo era pequeno, os dois encontraram-se um dia, quando Nuno Álvares pediu ao alfageme que lhe compusesse a espada. Por sobre o susto, fez o trabalho gratuitamente, prometendo que só aceitaria o pagamento quando o Pereira chegasse a Conde de Ourém.
Em boa hora o fez, porque acabou metido em mil e uma confusões que o conduziram à prisão e à sentença de morte. Foi a sua Alda quem intercedeu junto do Condestável, então já Conde de Ourém. A nobreza que o levaria séculos depois à canonização revelou-se aí mesmo e Nuno Álvares conseguiu o perdão do Rei para Fernão Vaz.
Tudo isto são lendas, que mergulham a urbe em mistérios velhos de mais de 3 mil anos, como o do "Melícola", título ganho pelo Príncipe Gorgoris quando reinou na Lusitânia em 1215 antes de Cristo e ensinou os seus súbditos a extrair mel de favos de abelha.
Essa paz ribatejana foi visitada por Ulisses, que entornou o caldo lusitano prendendo-se de amores por Calipso, filha do Príncipe.
Com Platão (e o amor dito de seu nome) ainda por nascer e os gregos já então cientes de que o sexo fazia girar o mundo, para além de ser indescritivelmente bom, Ulisses fez a Calipso o mesmo que D. Fernando fez a Isabel Gonçalves Zarco, mas com consequências muito mais trágicas...
O bem informado Gorgoris deve ter-se inspirado numa história que talvez lhe tenha sido contada pela avó, uma vez que a velhinha foi contemporânea de Moisés, e desenhou para o neto um destino semelhante: mandou metê-lo num cesto e atirá-lo ao Tejo.
Chamava-se Ábidis, o rebento indesejado. No entanto, não se afogou: em vez de dar à foz, o cesto subiu o rio, até ao covil de uma loba que adoptou o bebé e o alimentou e protegeu, até ele aprender a viver das riquezas do bosque.
Mas um dia foi capturado por caçadores e levado à presença de Calipso, que o reconheceu como o seu filho perdido.
Por essa ocasião, Gorgoris já estava conformado com a consciência de que não teria herdeiro e fez o que era mais inteligente: educou o rapaz e entregou-lhe o poder.
Ábidis tornou-se no mais justo Rei dos Lusitanos e mandou erguer uma cidade nos domínios da loba, onde vivera os primeiros vinte anos de vida.
Foi assim que nasceu Santarém, com o nome de Esca-Ábidis.
Teve outros, desde então, o segundo dos quais foi Scalàbis, mas a verdade é que, passados três milénios e diluídas as lendas na memória dos tempos, os habitantes da pérola do Ribatejo ainda hoje são conhecidos como...
ESCALABITANOS !...
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