PÁGINA DE IMPRENSA DE PEDRO LARANJEIRA 21 novembro 2008

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DEFICIENTES

por   Pedro Laranjeira

"Deficientes somos todos nós,

quando não sabemos entender as diferenças

e integrá-las numa sociedade justa!"

          ...a frase é de António Cabós Gonçalves, filósofo, jurista, político marginal não-alinhado e um grande pensador.


Não existem estatísticas actuais sobre o número de cidadãos portadores de deficiência em Portugal.

Os últimos dados remontam a 2001 e referem um universo de 636.059, a maior parte no continente (cerca de dois por cento na Madeira e menos ainda nos Açores).

Sobre mais de metade não existia avaliação quanto ao grau de deficiência, situando-se a maior faixa de incapacidade conhecida entre os 60 e os 80 por cento - 16% do total. 12% tinham deficiência grave, com um grau superior a 80 por cento. O escalão seguinte, 10%, tinha um grau de deficiência entre os 60 e os 30 por cento. Abaixo deste grau, conheciam-se menos de 9%.

Fonte: INE, Censos 2001 - Infografia Pedro Laranjeira  

Isto era em 2001 - desde então não foram apuradas estatísticas.

Estima-se que existam em todo o mundo mais de 650 milhões de pessoas portadoras de deficiência, com a Europa na casa dos 40 milhões. Em Portugal, calcula-se que ascendam já a cerca de um milhão, ou seja, um décimo da população nacional.

NÚMEROS: A POLÍTICA

Talvez a forma de ilustrar a importância deste sector da nossa sociedade seja compará-lo com dados que todos os portugueses conhecem.

Façamos um exercício curioso, com base em resultados de eleições legislativas nacionais.

Teriam bastado ao MRPP 5,5 % dos deficientes portugueses em 2002 para garantir ao partido o resultado desse ano.

O Bloco de Esquerda não precisaria sequer de um quarto da população portadora de deficiência para lhe dar a votação que teve (bastavam 23,5%).

Se 60% dos deficientes fossem comunistas, o PCP tinha ultrapassado os votos que recebeu e se três quartos fossem democratas-cristãos dariam ao CDS mais votos do que teve.

Nesse ano, tanto o PS como o PSD precisariam apenas de metade dos seus militantes, se tivessem captado também o eleitorado de cidadãos portadores de deficiência.

Presentemente, transportada para a actualidade a evolução das preferências eleitorais dos portugueses e os números estimados (por baixo) de deficientes, bastaria ao BE que um terço destes lhes desse o voto, enquanto que o CDS e o PCP-PEV não precisariam sequer de metade cada.

Os portugueses com deficiência correspondem a cerca de 60% do eleitorado PSD e quase 40% do eleitorado PS (com base nos resultados de 2005).

Há quatro vezes mais deficientes em Portugal que os sócios do Porto e do Benfica juntos

...E O FUTEBOL

Visto de outro modo: bastavam 14% dos deficientes que havia em 2001 ou 9% dos que se estima haver hoje para tornar o Futebol Clube do Porto maior do que é neste momento.

No dia em que o Benfica entrou para o Guiness como clube do mundo com maior número de sócios (30 de dezembro de 2006), a totalidade destes era igual a 25,4% do número de deficientes no país em 2001 e é hoje cerca de 8,37% dos que existem, ou seja, os sócios do Benfica são menos de um décimo dos deficientes portugueses.

Serão precisos mais exemplos?...

Por outras palavras: trata-se, ou não, de uma faixa da população a ter em conta?...

A SOCIEDADE

Muito gradualmente, a sociedade tem vindo a tomar consciência deste universo que coabita com o dia-a-dia das pessoas.

Algumas iniciativas têm servido para sensibilizar os povos e os governos, primeiro para o reconhecimento da importância do fenómeno, depois para a necessidade de esforços especiais tendentes à integração desta faixa das populações na sociedade, inclusivamente no que concerne à elaboração de leis que contemplem as suas necessidades e igualdade de direitos.

Alguns exemplos disto foram o "Ano Internacional das Pessoas com Deficiência" em 1981, o Programa de Acção sobre as Pessoas com Deficiência, em 1982, a Década Internacional das Pessoas com Deficiência, entre 1983 e 1992, e a adopção pela Assembleia Geral das Nações Unidas das "Normas sobre a Igualdade de Oportunidades

para Pessoas com Deficiência", em 1993, e a "Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência", há um ano, que foi o primeiro tratado de direitos humanos do Século XXI.

A UNIÃO EUROPEIA

O Conselho da União Europeia considerou o ano de 2003 como "O Ano Europeu das Pessoas com Deficiência", com a intenção de promover os princípios de não descriminação e integração das pessoas com deficiência, consignados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

Os objectivos desta iniciativa foram, essencialmente, "a sensibilização para os direitos e para a mudança de atitudes face às pessoas com deficiência, para a heterogeneidade dos tipos e múltiplas formas de deficiência, a promoção da igualdade de oportunidades e melhoria da qualidade de vida das pessoas com deficiência e a igualdade de direitos entre homens e mulheres com deficiência" bem como um maior contributo "para uma mudança de atitudes da sociedade em geral, face às reais potencialidades desta população, garantindo uma maior participação na vida social, económica e cultural das comunidades em que se inserem".

EM PORTUGAL

Gradualmente, a acção tem vindo a passar da mera óptica de assistência médica para o desenvolvimento de acções e princípios de natureza social e correspondente legislação.

Disso é exemplo a Câmara Municipal do Porto, que foi a primeira autarquia no país a criar o cargo de Provedor Municipal dos Cidadãos com Deficiência, em 2002.

Ali dão entrada queixas sobre alojamento, descriminação, mobilidade na via pública e problemas laborais, entre outros. existem, porém, muitos mais casos que não são divulgados por medo ou vergonha.

Cristina Louro, Secretária Nacional de Reabilitação e Integração de Pessoas com Deficiência, revelou ao Expresso a criação de uma plataforma de empresários com responsabilidade social na área da deficiência, que integra a Galp Energia, BCP, BPI, José de Mello, Águas de Portugal, Unicer, PT, AIP e AEP.

Mas muito está por fazer!

UM UNIVERSO QUASE INVISÍVEL

A principal dificuldade de quem pugna pela mudança está na atitude ainda muito generalizada que os povos tendencialmente adoptam face aos fenómenos que menos lhes são agradáveis.

Disto é exemplo a pobreza e a exclusão social, a marginalidade, a toxicodependência, o crime, o analfabetismo, a doença.

...e também a deficiência!

Do mesmo modo que muitas pessoas olham para o outro lado quando passam por um mendigo, se afastam de doentes e marginais ou ignoram o sofrimento visível dos outros - quanto muito substituindo por um gesto de caridade a atenção que lhes seria incómoda - também preferem ignorar a deficiência como se fosse uma condição que não lhes diz respeito - não têm nada com isso, cada um que trate de si... é mais confortável - e é tão mau como a outra atitude, não menos frequente, De os olhar como "coitadinhos" por não saber vê-los como "diferentes", quantas vezes sem imaginar quanto lhe são até superiores, em competência, saber e capacidade.

É essa a longa aprendizagem que a sociedade está lentamente a fazer. As pessoas portadoras de deficiência, cada uma com a sua especificidade própria, apenas têm necessidades especiais: também quem trabalha no mar precisa de saber nadar e quem não o sabe não se considera deficiente - faz outro tipo de trabalho, adaptado às suas capacidades. A situação é precisamente a mesma.

E quem entende destas coisas é unânime em dizer que mais de 90% das pessoas portadoras de deficiência tem plena capacidade de integração na sociedade, incluindo no mercado de trabalho.

Isto deixa de fora apenas uma faixa muito estreita de deficiência mental grave e, mesmo essa, muito menor do que se imagina, como será explicado mais adiante.

CARACTERIZAÇÃO

A deficiência mais comum em Portugal é a visual (25,7%), logo seguida pela motora (24,6%), auditiva (13,2%) e mental (11,2%). A paralisia cerebral representa apenas 2,4%, sendo que 23% dos totais identificados são de tipo não documentado.

Segundo os dados de 2001, existem mais homens com deficiência do que mulheres, excepto na visual, onde a proporção se inverte (91 homens por cada 100 mulheres).

Os acidentes de viação, trabalho e guerras são responsáveis pela maior percentagem masculina em deficiência motora (132 homens por cada 100 mulheres). Só os treze anos de guerra colonial produziram perto de quinze mil deficientes, mais de mil por ano.

Nos restantes tipos de deficiência (mental, auditiva, paralisia cerebral e outras) o quociente situa-se entre os 107 e os 116 homens por cada 100 mulheres.

Um factor a ter em conta na procura de respostas é o comprovado envelhecimento da população com deficiência. Em 2001, a idade média da população portuguesa era de 40 anos, enquanto que a da população com deficiência subia para os 53. Por cada jovem com menos de 14 anos existiam seis deficientes com mais de 65. Na deficiência motora esta relação subia para quinze.

A maior percentagem da população portadora de deficiência situa-se no centro do país, seguido por Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo, Algarve e Norte, por esta ordem, com a Madeira e os Açores com os números menores.

Mais de metade dos portadores de deficiência são casados ou vivem em união de facto, sendo 31% solteiros, 13% viúvos e 3,5% separados.

Segundo as estatísticas, cerca de 15% das famílias portuguesas têm pelo menos um membro com deficiência.

ACESSIBILIDADES

A Lei tem vindo a mudar, mas o seu cumprimento (ou melhor, a falta dele, bem como a inexistência de uma fiscalização adequada) está longe de a tornar eficaz. Cerca de 90% da população com deficiência vive em edifícios sem rampas de acesso, a maior parte dos quais (85%) não tem elevador. Apenas 9% habita em prédios com rampas de acesso.

A maior taxa de acessibilidades existe na Madeira, a menor no Alentejo e Algarve.

HABITAÇÃO SOCIAL

O número de famílias com deficientes a viver em instituições de apoio social é quatro vezes superior ao das famílias regulares, o que ilustra a importância deste tipo de estabelecimentos para a população deficiente. Dessas famílias, 11,2% vivem em alojamentos religiosos e 6,1% em instituições de saúde.

EDUCAÇÃO E TRABALHO

É aqui que se acentuam as insuficiências que ainda existem nas estruturas do sistema.

Em 2001, embora a maior parte da população com deficiência tivesse o 1º ciclo do ensino básico, 37% não sabia ler nem escrever.

Quanto á ocupação, não existem também estatísticas actuais.

Segundo dados do Eurostat, em 2003 a taxa de ocupação de pessoas com deficiência severa era superior à média europeia - 52,9%, contra 24,3% de média na EU, uma subida relativamente aos dados de 1997, que apontavam para 22% de taxa de ocupação. No entanto, nos portadores de deficiência moderada, a taxa desce para 30,7%,contra 46% na União Europeia.

Um estudo da Comissão Europeia em 2001 dizia que a maioria dos europeus tinha problemas em lidar com a deficiência, quer própria, quer alheia: "A quase totalidade dos europeus defende que os Estados deveriam investir mais recursos na remoção de barreiras arquitectónicas e implementar mais acções de sensibilização para a integração social das pessoas com deficiência, considerando que muitas vezes estas pessoas são excluídas da sociedade por falta de oportunidades ao nível do ensino e do emprego, conduzindo a situações de pobreza e exclusão social."

OS ÚLTIMOS A SER EMPREGADOS,
OS PRIMEIROS A SER DESPEDIDOS

Humberto Santos, da Associação Portuguesa de Deficientes, disse à TSF que os benefícios para trabalhadores com deficiências e para os empregadores de funcionários deficientes estão desactualizados e não seduzem as entidades empregadoras: "Somos os últimos a ser empregados e os primeiros a ser despedidos".

"A pessoa com deficiência continua a ser sinónimo de peso na sociedade portuguesa. Não tem que ser assim. Há casos de pessoas deficientes que têm um nível de produção igual ou até superior aos seus colegas se o espaço de trabalho estiver adaptado as suas necessidades", acrescenta.

SUBSÍDIO-DEPENDENTES

"Esta situação de discriminação tem custos tremendos para os cidadãos e para o Estado. Pessoas que deviam estar a contribuir para o produto interno do país estão na dependência de uma segurança social debilitada que não lhes consegue dar condições de vida com dignidade".

"Portugal está a criar "subsídio-dependentes". As pessoas com deficiência estão a ser segregadas, têm difícil acesso à educação e não lhes está a ser dada a oportunidade de participar no futuro do nosso país".

PENSÕES E REFORMAS

Os rendimentos de pensão ou reforma são o principal modo de vida de mais de metade das pessoas portadoras de deficiência, o que constitui o dobro da percentagem correspondente ao resto da população.

Isto comprova que uma larga faixa dos deficientes portugueses vive do erário público, enquanto incontáveis testemunhos afirmam que a maioria dessas pessoas preferiria ter uma vida activa, se a oportunidade lhe fosse dada, o que, para além de tudo o mais, lhes traria uma maior dignidade pessoal e melhor qualidade de vida.

A COMUNICAÇÃO SOCIAL

Fátima Campos Ferreira dizia há algumas semanas num "Prós e Contras" que certos temas só são ali possíveis por se tratar de um serviço público de televisão...

É verdade, numa privada seria outra realidade.

Este é um facto comum às causas de exclusão social, o que não tem ajudado a causa das deficiências, como não ajuda as causas da pobreza - falar destas coisas não vende jornais nem garante audiências... resta-nos a consciência cívica de o fazer por dever social.

O CINEMA

A sétima arte tem dado o seu contributo, com filmes como "Filhos de um Deus Menor" ou "Forrest Gump", este último nomeado para treze Óscares, dos quais ganhou seis, o que vai contribuindo para dar visibilidade a "pessoas especiais", mas os êxitos nesta cruzada são raros e espaçados.

UM GÉNIO EM CADEIRA DE RODAS

Um exemplo emblemático do valor da integração de um deficiente na sociedade está na figura extraordinária de Stephen Hawking, 65 anos, casado, três filhos e um neto, professor de matemática na Universidade de Cambridge, o mesmo cargo outrora ocupado por Isaac Newton.

É um dos mais brilhantes físicos teóricos do mundo.

Sofre desde 1963 de esclerose lateral amiotrófica, uma doença degenerativa que paralisa progressivamente todos os músculos.

Comunica através de um sintetizador de voz e perdeu já o uso de todos os músculos, incluindo a capacidade de manter a cabeça erguida.

O seu dinamismo fê-lo entrar em aventuras como participar no filme "Star Trek", na gravação de um disco com os Pink Floyd e em episódios da Futurama e dos Simpsons.

Física quântica, cosmologia teórica, relatividade, espaço-tempo, termodinâmica, inflação cósmica, buracos negros e os teoremas de singularidade são alguns dos seus campos de pioneirismo, na primeira linha da ciência contemporânea - um homem que não pode mover-se e fala através de um aparelho!...

O DESPORTO

Os deficientes portugueses têm-se destacado internacionalmente, em particular no desporto, com um palmarés invejável de medalhas e títulos mundiais, ao longo de muitos anos.

196 atletas nacionais participaram já em sete edições de Jogos Paralímpicos, onde conquistaram 76 medalhas, 24 de ouro, 24 de prata e 28 de bronze.

Só nos últimos Jogos, Portugal trouxe 15 medalhas de Sydney e 12 de Atenas.

Ainda recentemente, 21 atletas portadores de deficiência mental regressaram dos Jogos Mundiais Special Olympics, em Xangai, onde participaram 7.190 atletas de 164 países e regiões, a disputar 21 modalidades, com 17 medalhas: dez de ouro, quatro de prata e três de bronze.

Mas nem tudo são problemas do passado ou glórias do presente: abre-se agora uma nova janela, ainda e apenas um buraco vazio por onde se vislumbram necessidades sem resposta, um desafio que precisa de soluções, a construir a partir de zero.

A GRANDE LACUNA

Chegamos, finalmente, ao problema número um com que a comunidade das pessoas com deficiência se debate, no presente e na construção de um futuro viável.

Por muito que tenha até hoje sido feito - e não foi muito, foi pouco - no âmbito das acessibilidades, da terapêutica, da legislação, dos direitos sociais ou quaisquer outros, uma lacuna se perfila agora, que bloqueia o futuro a quem seja portador de deficência: o acesso à sociedade de informação!

Num mundo globalizante, tudo depende cada vez mais do computador, da informática, da integração na era digital.

As pessoas com necessidades especiais precisam de toda uma panóplia de respostas informáticas que lhes permitam um acesso à sociedade de informação que faz o dia-a-dia das sociedades e o futuro da humanidade.

É nesta área que os portadores de deficiência se arriscam, se nada for feito - e muito depressa - a ficar de fora!

PORTUGAL PIONEIRO

Dão-se ainda os primeiros passos, titubeantes... existe já algum hardware e até software, mas não as facilidades para os disponibilizar a quem precisa.

Em lado nenhum do mundo!

Nesse campo, Portugal pode orgulhar-se de ser pioneiro.

Está montada uma experiência-piloto, única na Península Ibérica, das poucas na Europa e um espelho de excelência a nível internacional.

A iniciativa foi de uma professora de ensino especial em Leiria, Célia Sousa, mentora de um projecto que se concretizou pela organização de uma sala de inclusão digital para pessoas com necessidades especiais, capaz de dar respostas a todos os níveis de deficiência, incluindo os mais graves, bem como apoio a crianças e às insuficiências que surgem com a terceira idade.

Chama-se CRID, Centro de Recursos para a Inclusão Digital, nasceu há um ano e foi objecto de uma reportagem no número de lançamento da PERSPECTIVA.

Muita coisa aconteceu desde então, pelo que fomos visitar Célia Sousa, com quem mantivemos a conversa publicada a seguir.

Fica-nos, a finalizar, a dúvida sobre aquilo que pode ter sido o único erro de avaliação que Mahatma Gandhi cometeu em vida, quando disse que a pior forma de violência é a pobreza! Há quem pense que não, que a pior forma de violência é a exclusão!...

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