Senhor Primeiro Ministro:
Entre glórias e temores, o senhor tem conduzido os portugueses por uma estrada que ninguém conseguiu ainda perceber bem aonde vai ter... do optimismo ao fatalismo, há profecias para todos os gostos.
Que tal dialogar um pouco mais com quem tenta percebê-lo, mesmo à custa de uns minutinhos de vez em quando? Se há tempo para jogging, não há para conversa?
Eu sei que não gosta de jornalistas e tem algumas razões para isso, mas com um nome desses devia ser o primeiro a reconhecer que toda a generalização é um erro (incluindo esta frase) e tentar não transgenizar o trigo por culpa do joio... por outras palavras, faça um esforço para aprender a identificar quem nesta profissão lhe respeita a deontologia, porque nem todos somos sensacionalistas à procura de sangue mediático.
Há-de reconhecer, por exemplo, que a maior dor que sofreu na sua vida nunca foi explorada pelos media e tenho a certeza que, numa conversa particular, qualquer de nós a choraria consigo! Há respeito!
Também não aprovo que se metam na sua vida pessoal nem acho piada que lhe tenham perguntado se fumou charros na juventude - não é pertinente, do mesmo modo que ninguém pergunta a Morais Sarmento que caras partiu quanto praticava boxe no Sporting nem discute as militâncias passadas do camarada Zé Durão (embora eu confesse que ainda um dia gostava de lhe perguntar que conjecturas de futuro fazia já enquanto assistia embevecido, sentado no chão de um estúdio de rádio, a uma entrevista com Arnaldo Matos)... como também concordo que quem foi eleito primeiro ministro foi o José Sócrates, não o engenheiro Sócrates - daí ficou apenas o travo amargo da suspeita, que se resolve, como senhor resolveu, mas deixa um sabor azedo. Ora isso tudo seria evitado com mais diálogo, mais transparência, em tempo útil, no imediato.
Pois se o senhor os tem tido no sítio ao ponto de impor coisas impopulares, mesmo no seu passado, como levar o tema da Sida para o Parlamento, e agora, no poder, a venda de medicamentos fora das farmácias, impostos aumentados por convicção de necessidade apesar de violar uma promessa sua, diminuição de mordomias aos políticos e coisas que ninguém tinha tido a coragem de fazer, porque não falar mais sobre tudo isso a quem o elegeu, ao invés de estar a construir uma imagem de arrogância que já leva as pessoas a incluir o adjectivo "ditatorial" nos alfinetes que lhe apontam?
Ainda me lembro do fulgor mal escondido que lhe conheci no dia em que a sua madrinha Edite Estrela nos apresentou (não se lembra, claro, mas foi na Praia Grande em Sintra, perto do Ferro que viria a substituir e sob o grande chapéu da simpatia de Jorge Sampaio)... então e agora que subiu o que subiu já não admite sequer que o critiquem? Deixa que construam, mesmo que não seja o senhor a fazê-lo, um muro de intransigência á sua volta?...
Olhe que isso tem preço, a História não perdoa, o povo cobra. Não se esqueça do que aconteceu ao seu amigo Guterres, por causa do que a opinião pública transportou para as autárquicas de 2001.
Não sei se lhe agrada ou não ter-se livrado de ter um irmão chamado Platão por causa da teimosia do Registo Civil, mas acho bem que esteja a desburocratizar as repartições - nem mesmo o senhor imagina quantas iniciativas morreram nos gabinetes desse inefável Registo Nacional de Pessoas Colectivas, que sofre da grave doença da "confundibilidade" - ou seja, confunde o que não é confundível e inviabiliza futuras empresas à nascença. Tal como esta, que tem sido um grande obstáculo ao desenvolvimento do país, muitas outras repartições precisam de se adequar à realidade dos tempos.
Nisso, o senhor tem feito bom trabalho, com algumas imperfeições mas resultados positivos.
Como também no incentivo à interioridade (será por o lugar onde cresceu ter passado de 5.669 habitantes para 1.236 desde o tempo dos seus avós?), para não falar na Presidência Europeia! Pois claro!
O senhor pode não ser um orador como Luther King, um poeta como Alegre (longe vão os tempos em que declamava poesia às miúdas de Coimbra), pode não ser tão bonito como a Ana Drago ou tão revolucionário como Otelo, pode não ser patrão como Pinto da Costa ou um gestor como Belmiro (mas olhe que devia), pode restar-lhe tanto de engenheiro como de médico restou a Guevara ou Menezes, pode não ser tão hermético como Saramago ou tão cabalístico como Bergier, pode não ter a consciência jornalística de Portas, a teimosia de Fidel, a dedicação de Ramos Horta ou a psicologia de Mao, pode não querer aproveitar a riqueza da língua como Vilhena ou Araújo Pereira, mas bolas, fala melhor que Bush, não é genocida como Hitler ou os colonos americanos, não tem segredos escondidos como Jiabao, o seu sangue é vermelho e tem um passado que não herdou já feito... conseguiu viabilizar um Tratado que tinha entamponado tudo e todos, consegue "dar a volta" a um gigante como Putin... arregace lá as mangas e faça o que falta! Chegue-se mais aos habitantes deste país, que dão pelo mesmo nome que o senhor: portugueses.
Por muito que o conceito de democracia esteja desacreditado, não esqueça as boas intenções que lhe deram origem, mesmo que pareçam idiotas - também o anarquismo se baseia na ideologia de que "numa sociedade justa todos deveriam produzir na medida da sua capacidade e receber na medida da sua necessidade"... pois é, as ideologias são uma coisa, a sua aplicação outra, como o comunismo ou o cristianismo...
Ora o senhor tem demonstrado no governo a ousadia de Spielberg, só lhe falta aprender a lição de Mohandas Karamchand - não se esqueça que Gandhi ensinou que a humildade é a característica mais importante de qualquer grande homem - portanto, de qualquer líder - e deu o exemplo!
Nem sequer lhe digo que se prepare para Menezes que, de qualquer modo, vai ser uma novidade naquilo a que
está habituado - nem para Santana, que a esse, sim, está bem acostumado.
Prepare-se mas é para o julgamento da opinião pública, que cada vez lhe aponta mais o dedo e acha que o seu governo tem sido feito de extremos: coisas muito boas e coisas muito más - pessoalmente, embora lamente a falta de acessibilidade, louvo-o por algumas das suas iniciativas, mas reprovo os actos de intolerância, seus ou daqueles em quem o senhor manda, e não gostei nada daquela proposta de lei que mandou para o Parlamento sobre o exercício da profissão de jornalismo...
Reconheço-lhe a dignidade com que defende hierarquias e mantém no poder mesmo os ministros que caem em desgraça, mas aconselho-o a não esticar a corda, tudo tem limites...
No entanto, o que lhe peço acima de tudo é mais diálogo - não imite demasiado o seu "aliado" pontual de "cooperação estratégica" na gestão dos silêncios, porque fica mal a ambos!
Perceba, por favor, que nós, os jornalistas, não somos seus inimigos, nem somos (pelo menos aqueles que ainda continuam sériozinhos) do PSD ou do PS, do Bloco de Esquerda ou da Opus Dei, não somos comunistas nem saudosistas... nem sequer somos do Benfica! Somos o veículo da sua imagem junto dos portugueses, de forma isenta e sem demagogias, somos a correia de transmissão da verdade até ao povo.
Pense nisso e aproxime-se das bases, que somos todos nós!
Boa sorte, bom trabalho e veja lá se nos consegue ir melhorando as viditas, que bem precisamos!
Pedro Laranjeira
|