PÁGINA DE IMPRENSA DE PEDRO LARANJEIRA 19 outubro 2007

DA PRÉ-HISTÓRIA A MOBUTU

por Pedro Laranjeira

Um senhor chamado "O Todo Poderoso Guerreiro que Por Sua Força e Inabalável Vontade de Vencer, Vai de Conquista em Conquista Deixando Fogo em Seu Rastro" (*), nome que deu a si próprio em substituição do "Joseph-Désiré Mobutu" com que nasceu em 1930, ficou conhecido na história como um ditador de bengala e chapéu de leopardo que ao longo de mais de três décadas assumiu o poder legislativo, executivo e judicial do país a que também mudou o nome de Congo para Zaire, onde, por se declarar seu herdeiro espiritual, teve a habilidade de levar a dívida externa a mais de 12 mil milhões de dólares, enquanto fazia sua a grande parte do produto nacional bruto, tendo amealhado uma fortuna pessoal de mais de 7 mil milhões de dólares, quase toda colocada no estrangeiro, incluindo Portugal.

Como nem todo esse dinheiro chegou para lhe comprar a cura de um cancro na próstata, há dez anos atrás a sua alma subiu ao céu ou desceu ao inferno, conforme aquilo em que o leitor acredite.

Mas não ficamos livres dele... a sua memória persiste e há neste país quem a louve e preserve, como constatei há dias, numa visita a um daqueles locais que deveriam ser preservados como património histórico e está, agora, sob a imponente guarda do finado "Todo Poderoso Guerreiro que Por Sua Força etc...".

(*) - Mobutu Sese Seko Nkuku Ngbendu wa Za Banga

Sobre o assunto, incluo aqui um esclarecedor testemunho de um artista nascido e criado naquelas paragens que humildemente se chama apenas Carlos Ferreira.

...um problema que é quase uma questão existencial

Moro em Maceira, perto de Pero-Pinheiro. Desde miúdo que sempre me senti atraído por um local dentro da localidade. Trata-se de uma zona onde existem várias formações calcárias a que se dá o nome de Lapiás.

Estas pedras estão situadas num local que se não fossem as destruições de que tem sido alvo, poderíamos considerar privilegiado.

Neste local existe uma Fonte, rodeada por Carvalhos, que já teve água potável, não tivessem sido as fossas das casas a contaminar o lençol freático. Até há pouco tempo ainda existia a entrada da mina de água, que um galego destruiu para construir uma casa por cima.

Lembro-me de ouvir em miúdo que a mina de água comunicava com um lago subterrâneo navegável e que se dizia comunicar com um túnel que iria ter a Sintra.

Falava-se também no aparecimento de uma Fada (Morgana?) acompanhada de um Urso em determinadas alturas do ano.

Acontece que todo o conjunto de Lapiás é constituído por rochas zoomórficas e não só. Aqui à volta existem mais rochas deste tipo, que eu penso fazerem parte de um calendário astronómico muito antigo.

Ainda existe a rua do Penedo Sino, que vibrava (?) quando era percutido.

Há uma outra rua com o nome do Penedo Abelha, outra Penedo Lobo, etc.

Junto a uma formação a que damos o nome da rocha do Elefante (há um arco por onde passamos e que se situa por debaixo da cabeça.

Esta estrutura tem a forma de uma bilha de água e por acaso está orientada ao nascer do Sol no solstício de Verão e que projectava a sombra da rocha com a bilha iluminada no local onde estava situada a entrada da mina de água, só por acaso).

Esta formação tem um nicho esculpido, indicador de cristianização e coincidência, o Santo Orago da povoação é o S. João Baptista, que é celebrado anualmente através dos festejos tradicionais.

Junto a esta formação existem as ruínas de uma casa, que eu identifico como o laboratório de um alquimista.

A casa estava inserida no meio de vários Lapiás e dá um acesso a uma gruta.

O que me leva a associar a casa à Alquimia deve-se ao facto, entre outros, de haver ainda uns canteiros suspensos, alcandorados nos Lapiás, onde ainda se encontram várias árvores de frutos, todos eles simbólicos: ameixas, pêssegos, romãs, oliveiras, etc.

As árvores alimentam-se directamente da água-mãe que exala da própria rocha, para além da água da chuva.

Mas as raízes estão entranhadas na própria rocha.

Existem também várias Piteiras para recolha de Orvalhos.

Ainda me lembro da casa com telhado, mas actualmente só existem restos de algumas paredes e pouco mais.

A formação rochosa que eu considero mais importante é um Lapiá que é furado.

Encontra-se também orientado. Quando andava na escola primária costumávamos brincar junto a esta rocha e uma das provas de coragem que costumávamos fazer era passar através da rocha.

Todo o percurso interior tem de ser feito de rastos, empurrando o corpo com os pés.

Entra-se do lado Poente, o traçado do percurso assemelha-se a um sifão. Toda a manobra corporal tem de ser feita de modo semelhante ao que fazemos quando nascemos, dando a volta completa e apresentando a cabeça à saída de uma fenda, por onde brotavam águas, fenda essa de forma vaginal, virada a Nascente.

Isto é sem dúvida uma rocha onde outrora se praticavam rituais de cariz iniciático.

Penso que talvez tenha sido esta rocha a estar na origem do nome da localidade chamada Pedra-Furada.

Acontece que há uns anos, uma Comissão de Melhoramentos da Treta que ninguém sabe quem são, nem quem os empossou, resolveu, pasme-se, com a conivência da Junta de Freguesia de Montelavar colocar uma estátua do ditador Mobutu Sese Seko no topo da dita rocha.

Na década de oitenta esteve em Portugal o escultor japonês Minoru Niizuma, que executou vários trabalhos em granito numa empresa local. Um desses trabalhos foi uma estátua de Mobutu Sese Seko, que ficou encalhada no estaleiro da empresa. Passados anos um grupo de pessoas da terra auto intitulado "Amigos da Segueteira", decidiu preservar o local dos Lapiás e a consequência foi o que as fotografias mostram.

Ainda por cima a Junta de Freguesia permitiu que construíssem umas churrasqueiras no local e não satisfeitos, permitiu também que revestissem o chão de grande parte do local com desperdícios de mármores das oficinas.

Uns bocados de pedra de forma oval, resultado da abertura dos buracos para colocação dos lava-loiças nas cozinhas.

As churrasqueiras são o que menos incomoda, porque até são fáceis de tirar e ao cimentarem o solo acabam por proteger o que quer que haja por baixo.

Agora a estátua é uma verdadeira aberração! Deve ser a única que o traste tem no mundo inteiro.

 

 

Apetece-me dinamitar aquela trampa toda! Só não o faço, porque destruiria aquilo que pretendo proteger.

Resultado: um pedaço do nosso património cultural, podendo dizer-se quase genético, transformado numa cagada em vários actos, resultado da incultura generalizada das nossas gentes.

Só faltava o Patriarcado vir abençoar a obra!

Carlos Ferreira  


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