A dezoito meses dos maiores Jogos Olímpicos da Era Moderna, começam a desenhar-se preocupações que não têm nada a ver com desporto, mas sim com o próprio gigante anfitrião.
Ninguém duvida da capacidade da China fazer do mais importante evento desportivo do planeta uma coisa megalítica. Com o orçamento a rondar os 30.000 milhões de euros, já o dobro dos cálculos iniciais e a crescer, o dragão amarelo vai mostrar ao mundo que é uma grande nação!
Vai custar mais que cinco vezes Atenas 2004 e talvez mais de dez vezes Sydney 2000. Empalidece o orçamento de Londres para daí a quatro anos.
Mas a China é grande e vai demonstrá-lo, o que faz sentido, num país que quer conquistar o mundo, desta vez pelo lado do comércio, mas também pelo lado da imagem, ao ponto de ter, depois de catorze anos de discussão no Parlamento, legalizado a propriedade privada (embora a terra permaneça do estado, mas vamos lá, talvez outros catorze anos resolvam isso também).
Tudo está previsto para que os Jogos sejam inesquecíveis para os seis biliões de pessoas que os vão ver na televisão. Até os resultados vão mostrar a superioridade chinesa, particularmente tratando-se de um país que parece estudar com minúcia a lista de substâncias proibidas pelo Comité Olímpico Internacional, para que os nutricionistas possam dar aos atletas suplementos no limite do legal (e se calhar a ciência deles até está um passo à frente dos médicos do COI... digo eu...). Podemos esperar uma catarata de medalhas e o Hino Chinês a bater todos os tops do mundo!
Também em termos de política internacional, tudo está tranquilo. Houve países que boicotaram Moscovo, mas ninguém está a fim de brincar com as relações comerciais com a China. Vão lá todos!
No entanto, começa a levantar-se a nuvem da preocupação, numa área que deu faíscas de pré-aviso quando da candidatura. Houve contestações da Amnistia Internacional e outras organizações humanitárias, que consideraram que a China não seria o lugar ideal para o tipo de visibilidade de um evento destes.
O governo chinês tem ainda muitos dedos apontados por violação de direitos humanos.
E que tem isto a ver com Jogos Olímpicos?...
Tudo.
Os grandes eventos, principalmente aqueles com uma cobertura mediática planetária, são sempre palco preferido de contestação e protestos (até nas eleições portuguesas, quanto mais nos Jogos Olímpicos!). Quem já se esqueceu de Munique?...
A China tem inimigos. Poucos mas bons, como, por exemplo, o movimento Tibete Livre, que promove conferências internacionais para divulgar a causa da independência, acusar a China da violação sistemática de direitos humanos sobre o seu povo e tentar o diálogo entre o Governo no Exílio, o Dalai Lama e Pequim... sem êxito lá em casa, mas com crescente visibilidade internacional.
Outro espinho na garganta dos senhores do sol-nascente é o movimento Falun Gong, de inspiração budista, criado há quinze anos pelo misterioso Li Hongzhi, dos tempos de Mao Tse Tung, e banido por Pequim em 1999. Não se sabe ao certo quantos seguidores tem, mas as estimativas vão de 70 milhões (segundo o New York Times) a 2.100 milhões (segundo fontes de Pequim) - e é hostil ao poder instalado, para além de ilegal.
Ora, a China não pode condicionar a venda de bilhetes, sob pena de má imagem; e não pode impedir o acesso aos Jogos (ao país) a portadores de bilhete, pela mesma razão. Pergunta-se: quantos membros do Tibete Livre e do Falun Gong, entre outros, vão aproveitar para forçar a entrada através do direito de assistir aos Jogos?
Quantos vão aproveitar os grandes momentos televisivos (finais no estádio, chegada da maratona, etc) para se sobrepor às imagens dos atletas com manifestações de bancada planeadas para atrair todos os olhares e todas as câmaras?
Quantos vão aproveitar Pequim para uma manifestação na Praça Tiananmen? Se a polícia reagir como o tem feito até contra pequenas manifestações, significa desastre.
Para além disso, há a gigantesca afluência de jornalistas aos Jogos - vão ser milhares. As credenciações para as áreas de competição são poucas e cuidadosamente documentadas, mas muitos jornalistas vão com outros objectivos, não se incomodam de ficar nas bancadas... ou de nem usar o bilhete - e vai ser difícil limitar-lhes os movimentos.
O governo chinês deve estar já consciente do risco de ver, por cada artigo sobre canoagem, quinze sobre direitos humanos e corrupção... como estará a preparar-se para reagir?...
Os Jogos foram interrompidos três vezes por causa da guerra. Esperemos que nenhum banho de sangue os catalogue como um risco incomportável e comprometa de vez o olimpismo!...