PÁGINA DE IMPRENSA DE PEDRO LARANJEIRA 13 janeiro 2007

DR. FERNANDO DE PÁDUA

      Entrevista

Oito décadas não abrandaram a vivacidade do Dr. Fernando de Pádua, possuidor de um dinamismo contagiante e firme nas suas convicções.

Foi uma hora agradável de conversa enriquecedora, mas sempre informal e cheia de exemplos pitorescos.

Aqui fica o resumo possível.

Fale-nos da relação entre o tabaco e as doenças cardiovasculares.

Nos anos 50, quando me formei, eu fumava, toda a gente fumava... lembro-me até de estar a fumar com uma namorada e ter aquele prazer de soprar o tabaco para ela, era até uma coisa romântica. Nessa altura não se julgava ser o malefício que hoje sabemos. Foi nessa altura que se começou a estudar a taxa de mortalidade por ataques cardíacos, que indicava números altíssimos em relação aos fumadores...

Um médico inglês fez um estudo com fumadores e não fumadores e verificou a muito maior mortalidade por cancro de pulmão nos fumadores.

...o cancro do pulmão... mas existem outros malefícios, certo?

Só nos anos 60 se começou a descobrir que também era um malefício para o coração, a nível dos acidentes vasculares cerebrais e enfarte do miocárdio, e desde então as descobertas são maiores, ao ponto de hoje não haver país nenhum que não queira que a taxa de fumadores desça! Agora que as mulheres estão a fumar mais, a taxa de cancro nelas aumentou 50% nos últimos 10 anos.

É verdade que uma mulher que fume e tome a pílula está 10 vezes mais sujeita a sofrer de doenças cardiovasculares?

Sim, porque a pílula com o tabaco aumenta a probabilidade de trombose. Os acidentes vasculares cerebrais em mulheres jovens são quase sempre fumo e pílula. Aumenta dez vezes a capacidade de coagulação do sangue e uma das terapêuticas preventivas para os acidentes vasculares cerebrais é tomar anticoagulantes.Todos nós temos arteriosclerose, começa na infância, pela gordura, pelo açúcar, pelo tabaco, escapes dos automóveis, tudo isto vai estragando as artérias e por isso temos arteriosclerose lá para os 50 ou 60 anos, mais grave se complicarmos a coisa com tabaco, hipertensão, diabetes. Ao princípio, a pessoa não sente nada, a menos que faça um exercício mais acelerado, em que precise de mais oxigénio.

Os Portugueses também têm problemas graves de alimentação, não é verdade?

Têm, mas muito menos do que os Americanos ou os países do norte da Europa. O que nos tem ajudado muito é a dieta mediterrânica - os americanos vieram à Europa estudar porque razão nós morríamos menos do coração que eles, nomeadamente os Gregos, os Italianos e os Portugueses...

Quais são os principais erros dos portugueses em termos de alimentação?

Falo antes das coisas boas que temos, que são muito mais vegetais e fruta; fumamos menos que nos países nórdicos, que têm uma percentagem de 60 ou 70 % de fumadores, nós de 24%, e temos mais capacidade de exercício, porque não ficamos fechados em caso por causa do frio, ou da chuva, ou da neve - e temos boa gordura como é a do azeite. Temos uma dieta relativamente saudável e, de facto, na Europa, os portugueses são os que têm menos angina de peito e enfarte do miocárdio.

Temos, sim, muito acidente vascular cerebral, porque juntamos a isto tudo o sal, que é um veneno!

É verdade que o ser humano pode viver sem cloreto de sódio toda a vida?

Sim, pode. Os Africanos vivem assim, num clima quente, onde suam muito e perdem sódio, mas o seu organismo foi-se adaptando a retê-lo. Nos países de expressão portuguesa temos muito mais hipertensão do que do que nos países à volta, porque os portugueses exportaram para lá a alimentação com sal.

O nosso pão tem 12 gramas de sal por quilo. O alentejano come dois quilos de pão por dia e mais o toucinho... por isso é que se morria daquela maneira. Chegamos a encontrar pessoas com 25 gramas de sal por dia, ora não se devem comer mais que 5 - neste momento a média anda pelos 15.

Os índios do interior do Brasil ou dos Estados Unidos e os povos do interior de África chegam aos cem anos com tensão normal. Se comêssemos só os tais 4 ou 5 gramas por dia, chegávamos aos oitenta com a tensão que tínhamos aos 18.

O único povo no mundo que consome mais sal que os portugueses são os japoneses...

Eram, porque conservavam os vegetais em sal - os japoneses eram os campeões do mundo em hipertensão.

Nós, porém, temos vindo a melhorar e agora são os búlgaros que vão à frente. Nós melhoramos, quando a comunicação social começou a divulgar estas coisas. Tudo começou através da televisão, e as coisas melhoraram. Não há melhor educação que a educação pela televisão. O que acontece agora, porém, é que a televisão é usada para nos estragar a vida. Os programas infantis estão cheios de propaganda a bebidas com chocolate, bebidas gasosas, todas as asneiras da comida.

Os adultos têm a comida toda preparada ou enlatada, com sódio e carcinogéneos nos conservantes, os fritos, a junk food, ou comida de plástico...

Tudo isto tem vindo a fazer com que a mortalidade tenha voltado a subir em relação a tempos não muito distantes...

Estamos a voltar para trás?

Sim! Basta olhar para os índices de obesidade nas crianças, onde se pode verificar o aumento de ingestão de comida de plástico, aliado á redução de exercício físico. Devia aconselhar-se as crianças a comer 5 doses de vegetal por dia, divididos em sopas, frutas, saladas, isto 5 vezes por dia, o que faz com que se encha da mesma forma a barriga e se comam menos "porcarias"! Este conjunto do tabaco, aumento de peso, falta de exercício, sal, gorduras e açúcar, é que nos estraga a todos!

Se o nosso ministro da saúde vendesse mais noções de saúde, em vez de aumentar o preço dos remédios, tinha muito mais sucesso!…

Já tentou sensibilizar os programas oficiais de ensino e as escolas?

Sim! A educação é muito importante! Tínhamos 2 professores que corriam as escolas a falar destes assuntos, o que infelizmente agora não é possível, por não se poderem fazer destacamentos para fora do ministério da saúde, apesar de ser tão importante… e agora que há tantos professores que não têm trabalho...

Há uns dez anos que os que andam na rua são pagos por nós!

A verdade é que tudo começa na instrução primária. Era preciso haver mais psicólogos e sociólogos junto dos pais, que não sabem ensinar os filhos, porque é de pequenino que se torce o pepino!

Há propostas suas entregues ao Estado?

Há! Há propostas, há acção, há resultados, e depois, quando mudam as equipas, tudo volta à estaca zero.

Noto um cariz crítico nas suas declarações... a quê ou a quem especificamente? Economia? Governação? O que é que está mal?

Isso não sei, o que eu não posso entender é que com um governo socialista, o produto que mais aumenta seja o pão! Há pessoas que só comem pão e água…. Por outro lado, os remédios para os diabéticos são de graça, assim como para os drogados, e depois a alimentação dos mais pobres aumenta 20%, falando do pão... não pode ser!

Então é, de facto, uma critica social que está a fazer...

As decisões politicas são muito difíceis de tomar, mas quando vejo estas coisas e ouço as críticas dos doentes, fico preocupado, porque isso prejudica o meu trabalho de prevenção.

Mas quer uma critica social? Olhe, aqui vai uma: a defesa que há em favor dos fumadores: É errada!

Os fumadores, como outro drogado qualquer, precisam de ser ajudados. Se quiserem comprar o adesivo para deixar de fumar, ou os comprimidos de nicotina isso vai custar muito dinheiro! Não têm ajuda alguma. Mas se forem drogados de cocaína ou heroína, têm todas as seringas e afins de graça...

Esta é uma critica social!

Outra crítica: Diz-se há não sei quantos anos que os fumadores vão ser obrigados a fumar em zonas próprias, mas é uma lei que não passa para o "papel", porque as tabaqueiras afirmam que é uma agressão aos fumadores! Não, é o contrário, é uma agressão aos não fumadores! Fumar no restaurante, ou nas salas de aula... eu não fiz estatísticas de quem se queixa, mas é muita gente.

Diz-se que o Bill Clinton chegou a pensar promulgar de uma lei proibindo o uso do tabaco, mas chegou à conclusão de que não era possível…será por causa do "lobby" que existe em torno do tabaco, ou pela dificuldade da sociedade em o aceitar?

Eu não acredito em proibições, acredito antes na educação das pessoas, alertando-as para os malefícios do tabaco. Mas há ocasiões em que deve ser proibido: é quando a liberdade de uns ameaça a liberdade de outros. Fumar ao pé de pessoas que não querem fumar é estar a agredi-los! Há uma história que se passou na Suécia, onde um empregado dum bar teve um enfarte do miocárdio e pediu uma indemnização por acidente de trabalho.

O tribunal decidiu contra ele, o que o fez recorrer para o Supremo, que teve uma decisão mais inteligente: mandou dosear o ar poluído de tabaco nesse bar. Chegaram à conclusão que o empregado fumava 2 maços de tabaco por dia, sem meter um cigarro na boca! Os americanos chegaram à conclusão que morrem cerca de 10.000 pessoas por ano devido ao fumo que ingerem passivamente!

Assisti a uma situação em que vários desportistas se juntaram para decidir se os campeonatos receberiam ou não patrocínios de bebidas alcoólicas e tabaqueiras - decidiram que de bebidas alcoólicas tudo bem, porque quem bebe está a prejudicar-se a si próprio, enquanto que quem fuma está a prejudicar os outros. Quererá isto dizer que está a aparecer uma nova juventude mais sensibilizada para este problema?

As gerações não aparecem do nada, são influenciadas pelo ambiente em que vivem. Tudo parte da educação que recebem desde crianças, e compete-nos a nós passar a mensagem e alertar para os malefícios do tabaco e do álcool.

A nossa juventude está-se a tramar com o álcool. Os neurónios dos jovens são muito sensíveis ao álcool e eles nem imaginam como estão a destruir a sua intelectualidade.

Em termos científicos, um cocainómano ou um heroinómano é, ou não, tão drogado como um fumador ou um bebedor de álcool?

O fumador é pior que o viciado em heroína ou cocaína! Isto porque os segundos são destrutivos dentro duma sociedade, por isso estão destinados a ter uma maior atenção e cuidados dela, enquanto que o fumador não é visto como destrutivo. A dependência do tabaco é mais incisiva que a da heroína, mas mata muito lentamente. Onde se situa o consumidor de álcool, no meio de tudo isto?

É a mesma situação do tabaco. Desde os tempos do Salazar que se diz em Portugal que beber vinho é dar de comer a um milhão de portugueses! Temos neste momento cerca de 500.000 pessoas com problemas de álcool, que geram problemas de violência domestica, de conduta imprópria, etc. Quase sempre as pessoas estão bêbedas quando fazem aquilo!

Não concordo com uma lei seca, mas sou a favor da prisão de uma pessoa que, ao conduzir sob efeito de álcool, mate outra! E que se lhe tire a carta imediatamente, tem que haver mão mais pesada nestes casos, mas em Portugal a justiça é lenta e confusa...

Ou seja, dum lado a educação e formação, do outro o castigo pesado?

Exacto! O castigo adequado e proporcional! A pessoa tem direito ao ordenado, tem direito ao trabalho, ao respeito, ao bom nome, deve ter direito à punição adequada ao crime que cometeu. Devia fazer-se o currículo do multado. A pessoa é multada, fica na sua carta, quando tem segunda paga o dobro do preço, quando tem três é multiplicado por três, à quarta não tem carta!

Também não concordo com as prisões cheias, quando há recurso à pulseira electrónica. Ponham-se cá fora. À segunda, já fica confinado em casa, à terceira fica preso mesmo. Por qualquer coisa, a pessoa vai para a cadeia, apanhar sida, consumir droga - fui ver um doente que está preso há imenso tempo, já teve dois enfartes, é diabético, tem hipertensão, ao menos mandem-no para casa, como o Vale e Azevedo, mas tê-lo ali naquelas condições é desafiar-lhe a morte.

Isto para falar na adequação dos castigos, portanto: acredito no conhecimento, no saber os prós e os contras. Ouçamos as partes envolvidas. Ouçamos adolescentes, porque eles têm uma palavra a dizer, ouçamos os fumadores, no sentido em que eles são doentes.

Mas devemos compreender que faz parte da idade dos miúdos experimentar coisas - eu, aos quatro anos, peguei fogo à roupa porque quis acender um cigarro de papel e em vez do cigarro acendi a roupa...

Além disso há o sexo. Esta é outra coisa que o país tem de olhar de frente. É preciso falar da Sida. Desde que infectado, qualquer miúdo é já contagioso, mesmo antes de saber que está infectado. Portanto, o que é importante é que os miúdos saibam que podem apanhar sida se forem à meninas, ou se tiverem relações sem protecção. Porque o melhor rapaz pode estar infectado durante cinco anos sem saber.

Portanto, isto tem que se dizer! Tem que se dizer aos miúdos!

Existe falta de informação, em tempo adequado...

...e tudo tem que começar na instrução primária!


© PEDRO LARANJEIRA
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