PÁGINA DE IMPRENSA DE PEDRO LARANJEIRA 9 outubro 2004

BOICOTAR A TVI...?

Está a circular uma mensagem que pede um boicote popular à TVI, a propósito de desmandos vários da estação e com particular motivo nascido pelo afastamento forçado do Professor Marcello Rebelo de Sousa da sua condição de comentarista, que pareceu estar a ser muito incómoda para os interesses do canal...

Ora, deixemo-nos de ingenuidades! Como se fosse surpresa!...

A censura é tão antiga como a prostituição e, provavelmente, antecede-a.

Antes da queda da cadeira, não se limitava a existir, castigava os que nela incorriam, pelas razões que incorriam...

Nos tempos de Marcello (esse senhor rodeado de ministros mais salazaristas que Salazar) não mudou muito, até porque ainda me lembro, naqueles tempos em que jornalista "escrevia nas entrelinhas", de ter um dia citado o próprio Marcello Caetano, de um seu discurso na assembleia... e ter tido a frase cortada pela censura... nem mais!

E ainda há quem recorde os "bons velhos tempos"!...

Mas acham que mudou muito...?

Pessoalmente, um dos meus cíclicos abandonos do jornalismo deu-se em 1974 quando, numa noite, estava eu a gravar uns folclores da Casa de Moçambique, ouvi rajadas de metralhadora e lá fui correndo para o Rossio onde, numa manifestação contra ou a favor de qualquer coisa que não recordo, uma força de intervenção havia sido chamada, alguém se enervou e morreram duas pessoas a balas de G3... duas pessoas que nem estavam na manifestação, uma delas ia para a Farmácia!

Já formada atrás do Teatro D. Maria II, junto à esquadra da PSP, quando cheguei, a tal força era comandada por um oficial que mandou os seus rapazes acompanhar a minha aproximação com trinta metralhadoras apontadas ao pobre centro do meu corpo em movimento, braços levantados, credencial na mão esquerda, gravador na direita, trinta balas a entrar em trinta culatras... mas deu-me a entrevista. Explicou o que se tinha passado, eu gravei. Passava então pouco do 25 de abril e eu trabalhava como repórter freelance no Rádio Clube Português que nessa ocasião se chamava "Emissora da Liberdade".

Ali chegado, rápida montagem da peça, preparo-me para o noticiário que está quase na hora... e um senhor oficial que comandava as forças de ocupação à rádio brinda-me com uma ordem de corte a duas passagens da reportagem porque "lesavam o bom nome das forças armadas"...

Não deixei pôr no ar o documento aleijado, saí, no dia seguinte fui lá receber os 400 escudos que faltavam para acertar as minhas contas e dias depois vendia jornais no metro de Lisboa - tinha passado de jornalista a jornaleiro, onde ninguém coartava a minha liberdade de expressão, enquanto apregoava jornais e notícias na rua... como seria dito na gíria que então apenas começava a nascer, foi uma curte!...

A "abolição da censura" com o 25 de abril teve esta triste e curta duração...

Claro que "havia razões" - há sempre! Como a minha avó me dizia, "a morte quando vem traz sempre uma razão!..." (mas o morto continua morto)...

A mui legítima razão pode ser "proteger o povo", ou "não lesar o bom nome das forças armadas" ou simplesmente calar as vozes incómodas...

Às vezes até inventam razões vestidas de falaciosa nobreza: quem se lembra da implantação da censura nos Estados Unidos pouco depois do 11 de setembro?... ou deverei dizer "auto-implantação"...?

Pois é, foi a um responsável de uma das maiores cadeias de televisão do mundo e em nome da Estação, que eu ouvi dizer que, a partir desse momento e seguindo o conselho do Pentágono (que era o conselho do Bush filho), não mais seriam difundidos videos oriundos de Ossama Bin Laden... porque podiam conter mensagens subliminares...!

A morte quando vem traz sempre uma razão...

Nestes casos, porém, a razão chama-se sempre, também, censura!

Existe. Existirá sempre!

A censura é tão antiga como a prostituição, provavelmente, antecede-a... e tem com ela uma semelhança: tal como o maior defeito das putas são os clientes, também o maior defeito dos censores é quem os aceita... porque não era preciso, à face da lei e numa sociedade livre, se a palavra "deontologia" ainda fizesse parte da nossa língua - seja ela sobre jornalismo, programação ou simples ética!

Não há duas verdades, apenas uma: e essa é a primeira obrigação dos media para com o seu público - sem demagogia, sem cortes, plural e completa. A comunicação social comunica - factos, circunstâncias, acontecimentos, e também opiniões devidamente assinadas e identificadas, mas de membros da sociedade, não de elementos dos seus quadros - o jornalista entrevista, pergunta: o entrevistado responde e exerce o seu direito de livre expressão... ...ou não?...

Pois é, parece que existem cordelinhos em todo o lado e sempre quem saiba mexer-lhes...

Mas não basta não ver a TVI - não, isso seria meramente, nos dias que vão correndo, um acto de bom gosto... mas insignificante, basta consultar os "shares"...

Há que falar, escrever, divulgar, dar a saber... pese embora que, como para tudo, também para a TVI até a publicidade negativa é boa publicidade!

O que me surpreende é que isto seja surpresa!

Bolas, estamos a falar da TVI !!!

Da TVI !!!

Se o ineditismo se rotula de "recorde", então os senhores da TVI merecem estar no Guiness!

Eu explico.

Quando o Big Brother corrreu em Portugal, tinha passado ou estava a passar em 27 países do mundo... mas apenas um, um único, o transportou para o seu espaço nobre de informação, como se fosse notícia: foi este jardim à beira-mar plantado, pela mão precisamente da nossa peculiar TVI...!

Ninguém parece ter achado mal... telejornal é telejornal, vai daí mistura-se auto-progaganda de um Talk Show interno à estação com a crise do Médio Oriente, a guerra do Iraque ou os resultados eleitorais, para já não falar nos dois GNR mortos a tiro ou o desmantelamento de uma rede de droga...

Será que a TVI quer com isto dizer-nos que pouca distância vai do Papa ao Zé Maria?...

Este quinhão da Europa devia envorgonhar-se de ter quem chame Informação a conteúdos que semelham tricas de vizinhas, projectados à escala nacional pelo poder do ecran mágico!

...e agora está tudo outra vez a inundar o nosso dia-a-dia: a Quinta das Celebridades faz parte dos noticiários da TVI !!!

A que vergonhas de confusão pode recear sujeitar-se quem tenha uma Carteira Profissional de Jornalista!

E onde está a Alta Autoridade para a Comunicação Social?

Esses senhores, com tanta actuação oportuna e louvável ao longo de tanto tempo - e com força legal para a exercer, intervindo - ainda não terão ouvido notícias da Quinta das Calamidades nos telejornais da TVI...?

Disso, sim, é que o público precisa de ser protegido: de ouvir babozeiras num espaço de notícias.

A TVI que faça dezenas de horas de divulgação da Quinta, ninguém lho censurará decerto - mas não num "Noticiário" - os nudistas despem-se no Meco, não na Catedral, as lojas de chuchas não vendem tractores e as repartições do IRS não alugam filmes pornográficos... cada macaco no seu galho, cada porta com o letreiro que lhe corresponde! Deixem de nos enganar!

Este é um caso em que nem é preciso invocar a religião para bradar "Valha-nos Deus!", basta-nos invocar quem está cá e pode:

Valham-nos a Alta Autoridade para a Comunicação Social e o Presidente da República!


© PEDRO LARANJEIRA

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